10 junho, 2009

Voltamos ao passado?!

Espero-te junto à areia, perto da esplanada que juntos descobrimos, onde demos o primeiro beijo, onde eu tive o meu primeiro beijo, contigo, tu que foste o meu primeiro amor.
Passados todos estes anos, quem diria, logo tu, que me voltarias a ligar.
Após os meus dezanove anos nunca mais te vi, depois de me partires o coração e depois de quase o conseguir colar de novo, lá apareces tu.
Disseste que encontraste o meu número num caderno de matemática, aquele que costumávamos usar para escrever um para o outro.
Porque voltaste tu agora?
Era fácil, tinhas um filho, que pretendias ajudar com esse caderno de matemática, onde encontraste o número da tua primeira namorada, aquela que não devias ter deixado fugir. Arrependeste tanto de a teres feito sofrer, de não teres lutado por ela.

Entretanto, chegas tu, de olhar cansado, pareces velho, de barba meia aloirada, grande e despenteada, cabelo empurrado para o lado e quase cobrindo os olhos.
Hoje não me cativas, como quando tu tinhas 21 e eu 18 anos.
Deste-me saudades dos meus 18 anos.

Lembras daquela vez em que quase fomos apanhados em tua casa?!
A tua mãe tinha voltado atrás e quando demos por ela, já a minha camisola estava no chão.
Hoje tenho saudades, desse teu namorar-me.
Nunca ninguém me viu tantas vezes o sorriso como tu, tu eras o culpado dele.
Até que conheceste a Teresa e deixaste-me, fizeste-me sentir como se estivesse em segundo plano.
Não tinha ciúmes (hoje digo que devia ter), confiava (também não devia ter confiado tanto) e aceitava as tuas amigas, as tuas saídas sem mim.
Ingénua. Essas tuas saídas não eram saídas, eram encontros. Eram encontros, e muito provavelmente com ela.

O nosso namoro, pelo menos eu assim o via, era como sempre pensei que fosse, eras como imaginava que um namorado devia ser.
Até que a Teresa apareceu.

Disseste que tinhas de te afastar, porque estavas diferente e tinhas medo de me magoar.
A desculpa que todos usam, quando gostam e não gostam, em novelas e teatros, usam para encobrir um “dormi com outra”.
Eu sabia-o, e pior…sabia quem ela era. E pior que tudo é que confiei em ti, confiei durante os quase dois anos que te tive (será que te tive por completo, ou será que existiram outras Teresas?).
Hoje, disseste-me que aquele caderno era tudo o que restava de ti; do teu “eu” que gostavas. Depois fizeste imensos disparates, apareceram outras e mais outras, até que a mãe do teu filho te apaixonou e te deixou esse filho enquanto preferiu uma aventura ao marido que tinha em casa.
Inverteram-se os papéis.
Sinistro, não?!
Estavas tão ou mais vazio, como eu, nos meus 21 anos quando finalmente tive coragem de aceitar que não podia mais estar com alguém que estava comigo e com umas outras tantas. Doeu tanto.
Imagina o que é acordar e deitar sentindo o teu cheiro na cama, na cama onde sabia que não ias deitar mais, dói tanto.

Não conseguia dizer-te o quanto esperei ver-te para te magoar, para desbobinar tudo o que já tinha ensaiado imensas vezes em frente ao espelho, de lágrimas nos olhos, de olhos inchados, depois de noites em claro; tinha tanta raiva do que me fizeste e dessa gaja, a quem chamei tantos nomes todos os dias, os dias todos durante anos. E agora apareces tão desfeito, como me deixaste?! Não é justo, eu queria poder dizer tão mal de ti neste momento, citar-te o guião que já berrei antes, tantas vezes.

Não consigo fazê-lo hoje. Faço-te uma festa no cabelo enquanto te deixas chorar de cabeça baixa, a tremer, perdido e confuso.
Pedes-me desculpa.
Eu finjo não ouvir, não consigo lidar com isso agora, não quero mesmo falar sobre o que já me fizeste sentir à oito anos atrás.

Pergunto-te como é o teu filho, como estás, o que fazes, com quem casaste, onde vives, basicamente um resumo dos seis anos que passei sem te ver.

Acabaste o liceu, foste para Coimbra estudar Geografia como gostavas, conheceste umas tantas, ficaste ainda mais perdido do mundo.
Andaste 3 anos na faculdade sem estudar um único dia e lá acabaste o teu curso, onde conheceste a caloira Carla. Partilhavam apartamento durante a semana, para pagar contas, e quando deste por ti já partilhavam a cama e os fins-de-semana fora de casa. Acabaste mesmo por a levar para casa, a casa dos teus pais; gostaram dela, e tu também. Casaram, e voltaram a partilhar casa. Inesperado foi o Henrique, o vosso filho com agora 8 anos.
Filho esse com os mesmos problemas que tu a matemática; não percebo porque foste procurar o caderno de matemática, não escrevias lá nada que lhe fosses ensinar, escrevias lá para mim, e eu lá para ti.

Deitavas-te sobre as minhas pernas, assustado como uma criança, tinhas medo de falhar com o teu filho, tanto ou mais como o teu pai falhou contigo.

Eu vou ajudar o Henrique na matemática, vou tentar ser a amiga que nunca tiveste.

Ainda moras com os teus pais, incrivelmente perto de mim, mas nunca te vi durante estes anos. Durante estes anos, nunca nos cruzamos, e viemos reencontrar-nos na praia onde demos o nosso primeiro beijo e nos fizemos namorados.

Não tenho amigos, fugi de todos, e os que restaram também foram deixando de existir.
Eu não sou mais o mesmo. Sinto-me um estanho para mim mesmo.

Fomos caminhando pela areia, também como fazíamos quando não estávamos chateados, quando me querias dar atenção, talvez quando te sentias culpado por ter estado com a Teresa.
Hoje não me custa dizer o nome dela, mas também já é um nome gasto na minha boca, de tão dito e referido que foi, para as amigas, para todos os que notavam na minha cara e tristeza no olhar.
Começava a noite, não queria mais a tua companhia.
Já tinhas carro e despedi-me de ti, à porta desse Seat preto; fui fria e rápida.
O teu número já tinha, e depois ia-te ligar, mas hoje não te queria ver mais. Senti uma raiva, uma tristeza quase tão forte, quanto a que tive enquanto adolescente.

Posso passar em tua casa, para ajudar o teu filho? – Disse-lhe eu quando lhe telefonei quatro dias depois.

A caminho de casa dos teus pais, onde já quase fomos apanhados despidos, onde fui apresentada como namorada, onde desabafei com a tua mãe como se da minha se tratasse, senti-me tremer, nervosa de voltar ao mesmo sítio onde não me disseste que andavas com a Teresa e que eu era mais uma na tua lista.

Passaram-se semanas de idas a tua casa, o miúdo reguila gostava de mim, e eu começava a deixar de me sentir mal nessa casa de recordações.
Como é óbvio, éramos amigos, e começamos a aproximar-nos.

Não sei como te deixei pagar o jantar, àquele jantar que insististe tanto para que fosse; beijaste-me… e levaste grande estalada.

- Como podes brincar assim tanto com alguém? Duas vezes? Achas que não chegou gozares comigo, brincar daquela maneira uma vez? Sabes quanto tempo andei fechada em casa, deprimida, de olhos inchados, de costas para o mundo, por tua causa e dessa Puta, e tudo o que vocês me fizeram? Depois do gozo que me deste, queres voltar a gozar? Vai à merda. É a ultima vez que me vês.

Todos os dias tinha e-mails teus, chamadas eram imensas, sms, cartas, tentativas de visitas a minha casa. Estava mais que magoada contigo, sentia-me a reviver toda a situação em que já me tinhas posto.

Mas, fogo, sentia tanto a tua falta. Mas não me permitia a deixar ser enganada mais uma vez, chega.

Um mês havia passado, e as tuas insistências continuavam; decidi acabar com tudo de uma vez.

- Entra, será a última conversa que terás comigo.

- Não te vou ocupar muito tempo. Eu não sou o mesmo que viste naquela praia, nem com 21, nem com 30 anos. Foi por tua causa que aprendi, aprendi que nunca mais te iria deixar. Não quero, não consigo. Todos os dias te via entrar em casa, todos os dias sonhava que me irias querer ouvir, só uma explicação da minha parte.
Hoje, vou-te dizer toda a verdade. Quando te conheci, conheci também a Teresa, e em breve comecei a usar droga, quando dei por mim não tinha dinheiro para a tanta droga que precisava. Era ela quem ma dava, eram os meus pais quem eu roubava. E eu não queria que me visses naquele estado, não queria que te afundasses comigo. Não tinha forças para mim, nunca as iria ter para ti.
Inventei que a tinha a ela, ao mesmo tempo que estava contigo. Nunca disse tão grande mentira, prometo que foi para te proteger.
Como me iria ver ao espelho se te afundasse, se te matasse aos poucos como estava a fazer comigo?
Quando “desapareci”, o meu pai saiu de casa, deixou a minha mãe por uma miúda da tua idade (com apenas os teus 20 anos), a minha mãe recebeu um bom dinheiro à custa disso e foi quando me ajudou, mandou-me para um Lar (chamava-lhe eu assim); sai de lá limpo (como é usada a expressão). Não tirei curso nenhum de Geografia, mas depois de te reencontrar ganhei a coragem suficiente para me matricular finalmente. Conheci a minha esposa numa das reuniões, ela tinha estado na mesma situação que eu, e o meu casamento não foi fácil, engravidou numa das fases em que não consumia. E agora, escolheu o caminho dela, caminho que não vou percorrer nunca mais. Escolheu a droga; trocou-me por essa aventura. Trocou a saúde do meu filho, por um saco, por uma moca.
O meu filho não tem mais mãe.
E sabes, eu amei-te de verdade, quando tinha apenas 21 anos. Amei-te como nunca amei ninguém, por isso te magoei tanto, por isso evitei magoar-te ainda mais.
E sabes mais uma coisa?! Eu amo-te ainda mais.
Aquele caderno de matemática, hoje está repleto de cartas que escrevi para ti quando estava no Lar, cartas que nunca te enviei, cartas que me ajudaram a sair de lá, que me fizeram crescer e voltar oito anos depois a ligar-te.
Foi no dia em que ela apareceu, pedrada perante o advogado, para assinar o divórcio, que te liguei. Porque não te iria procurar sem que antes a afastasse de vez das nossas vidas, da minha, da do Henrique e da tua. Da vida que queria recomeçar contigo; porque a minha vida parou quando te vi mergulhada em lágrimas.
Eu vou agora embora, mas não podia deixar de te dizer que todos os dias leio um capítulo do caderno que juntos escrevemos durante as nossas aulas de matemática, durante os dias em que nos dissemos amar.
Tudo o que fiz, foi porque te amava, e porque te amo.
Eu sei que passaste por muito, mas fiz-te passar por muito pouco tendo-te deixado naquele dia.
Adeus Ana.

Só deixei passar uma semana até ser eu a ligar-te, e marcar um passeio outra vez na nossa praia.

Quando chegaste já eu estava desfeita em lágrimas.

Não dissemos nada, ficamos abraçados em silêncio dois ou três pares de horas.

Casamos dois anos depois, e o teu filho era nosso, filho a quem presenteamos com um irmão, tão ao mais reguila que ele.

Durante anos, esse nosso caderno fazia parte das nossas leituras feitas ao Tiago, para o adormecer e para lhe mostrar que um dia vai encontrar o amor; não será fácil, mas superará tudo.

- Eu amo-te.
- Eu também te amo.


{Eliana Oliveira}
{Escrito nas noites em que te tenho saudade}
10 de Junho de 2009

3 comentários:

  1. houve ai umas partes de sofrimento em que me revi tanto :S

    o amor é fodido, é só o que eu sei...

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  2. ja li o livro que indicaste so que como foi antes (bem antes) de 2008 nao tenho as frases dele anotadas e como era emprestado nao sei quando é que o vou arranjar outra vez para reler (porque agora eu anoto as frases que mais gosto de todos os livros que leio, mas em cadernos para saber onde andam as coisas, lool)

    acho que apesar de serem do mesmo autor sao os dois bastante diferentes, mas o veronica decide morrer é uma liçao de vida mt grande tb..

    um beijo

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  3. Com muito ou pouco sofrimento, amor será sempre amor.
    Gostei mesmo da sinceridade no texto, a maneira como as palavras são expressas.
    Beijinho

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