30 agosto, 2009

Um final feliz aos meus filhos

Um dia vou escrever um livro.
Um livro para que possa comprar e fazer acreditar aos meus filhos, que histórias como as minhas escritas ainda existem.

Vou-lhes contar a minha história, até encontrar a pessoa certa, aquele a quem chamam carinhosamente: "Pai"!.
{Eliana Oliveira}

17 agosto, 2009

Haverá uma idade certa?! [1]

Foi com os meus 34 anos que tive o meu primeiro romance.
Um romance arrebatador. Não era virgem até encontrar o Eduardo, mas faltava-me conhecer tanto sobre o amor.

Ele era um velho, como lhe chamava, um daqueles bem vestidos e inteligentes, vividos e cativantes, cheios de charme – quero dizer.
Era um daqueles engravatados durante a semana, e aquele que víamos logo de manha numa esplanada junto à praia, de chinelo e calção.
Adorava estas noites frias de Verão, para me provocar com convites no seu barco, estrategicamente atracado na marina, que tanto frequentávamos, convites esses que eu sempre recusava.

- O teu charme não resulta comigo. – Dizia-te eu vezes sem conta. Mas toda a atenção que me davas, o tempo que era sempre para mim, fazia-me sentir bem. Era alguém assim, que queria para mim.
- Vem jantar, hoje cozinho eu. Levo o barco para o meio do nada; musica, vinho e a tua companhia. Falamos, dançamos, abrimos outra garrafa. Eu não queria ouvir outra vez um não. Faz-me a vontade desta vez.
- Tenho uma condição. Já que tenho que aceitar, será assim: levas-me a passear durante a tarde deste próximo Domingo, e se conseguir suportar a tua companhia, então, aí, ficarei para jantar; jantar esse que tu farás, enquanto eu tomo um belo dum banho quente. E tu, sem espreitares, penduras a toalha estrategicamente ao lado de um copo de vinho.
Não quero música nem velas. Está combinado?!
- Está combinado. Farei como me dizes.

Tinha eu tomado o meu banho.
A propósito, eu sou a Carla, a típica inglesa que aos 16 anos ganhou um carro, aos 18 teve a sua festa de finalista com o seu namorado, com direito a todo o romance, às velas e música que agora não incluía nos meus dias. Vim para Portugal com o coração partido aos 25 anos, quando pensei saber o que era o amor, quando quis dar a mim própria um novo começar.
Deixei o padrasto e a mãe, as irmãs e os poucos amigos que restaram de uma quebra do namoro de quase 8 anos.
Com uma mala pequena andei de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Alentejo e deixei-me ficar numas das pontas do pais - Portimão.
Tinha chegado pouco antes do Natal, em meados de Novembro; lá arranjei um cubículo onde dormir e onde pude tomar um bom banho de água a escaldar.
Não tinha dificuldade com a língua, mas tinha muita dificuldade em esconder os traços ingleses e a pronúncia inglesada.
Cheguei com uma pele bem clara, uns olhos claros bem mais que comuns em Darlington (cidade de Londres), mas cansados e tristes.
Tudo se foi recompondo, o dinheiro ainda era algum para passear e viver sem emprego.
Procurei um apartamento pequeno, que fosse do meu agrado financeiro e geográfico.
Pintei o cabelo, de um castanho comum em Portugal, já me sentia mais integrada, mais contente por mudar, com vontade de colar as peças perdidas do meu coração.
Porquê Portugal?! Pois, o meu pai era Português, algarvio, pescador, tenho curiosidade em conhecê-lo, encontrá-lo.

Arranjei emprego, suspeito que tenha sido pelos meus lindos olhos avelã e pelas pernas longas e magras que tenho; pouco me importava, este mês conseguia pagar o apartamento perto da marina que consegui encontrar.
Neste emprego, lidava directamente com os pedidos dos clientes… Marketing e Publicidade, sempre tive grande facilidade em falar; facilmente me fui tornando importante na empresa.
Havia passado meio ano, e a minha vida era pouco mais do que o trabalho; sentia saudades de casa, de semanas de férias, de namorar, sentia-me mais sozinha do que queria admitir.
Em tempos ligava à minha mãe todas as semanas, mas nos últimos 3meses, tinha feito apenas 2 telefonemas. De todas as vezes que estava mais triste pensava em ligar para casa, mas se o fizesse iria querer o colo que só a minha mãe me sabia dar.
Desistia sempre e ia dormir, ou passar as noites em claro – como acontecia.

Era um novo dia de trabalho.
Tinha acabado de chegar, com uma chávena de café na mão e com uma cara de sono mal dormido, quando me dizem:
- Viste o e-mail que a empresa mandou, (claro que não vi, ainda não tinha o dinheiro para comprar um portátil, e muito menos para internet), hoje há uma reunião com o chefe, o novo sócio.
- Espero que não seja um ranhoso, com a mania que tem dinheiro.
- Não menina, ouvi dizer que o novo chefe estava disposto a dar um aumento, e nunca ouvi falar em ranhosices.
A propósito, eu sou o Alberto, o novo chefe. A menina como se chama?
- Eu sou a Carla, talvez a mais recente contratada que não vai ser aumentada, por ter suposto que o novo chefe era um ranhoso.
- Muito prazer Carla. Comecemos então a reunião.

Como é obvio, tentei não dar nas vistas até o dia acabar, evitando olhar nos olhos deste Alberto com a mania que era um velho charmoso e com a generosidade de não me despedir.
Corri para casa, e sim, liguei à minha mãe a contar tal peripécia estúpida.

Durante um par de meses evitei estas reuniões, e mesmo cruzar-me com o chefe Alberto; tinha que me manter empregada para suportar a renda alta em frente à marina.
Até ao dia em que o chefe marcou uma reunião, apenas e só comigo, não havia como fugir.
Lá me propôs um novo cargo, devido ao meu bom trabalho até à data, olhou-me nos olhos e nunca mencionou a minha “boca grande”.
Rematara apenas: “Espero que já tenho uma melhor opinião minha.”
Sai fingindo que não tinha ouvido tal comentário, escondi-me atrás de secretaria, acabei o trabalho mais cedo e só imaginava um banho e enterrar-me no sofá com pipocas no colo.
Restavam-me duas semanas para as férias merecidas, ia rever a minha mãe, ia voltar por 3 semanas a Darlington, Inglaterra.

Lá preparei as malas do suposto Verão que ia passar em casa; tanto mudou em quase 9 meses neste pais onde comecei de novo.
9 meses em que não conheci a marina que todos os dias via da janela, onde via nascer e morrer o sol, onde acompanhava passeios de namorados, zangas e sorrisos. Quando voltasse, ainda ia estender o corpinho nas cadeiras ao sol, nem que fosse uma vez apenas.
Malas feitas, bilhete comprado, era hora de pagar mais uma renda e respirar fundo… dentro de horas irei receber o abraço da minha mãe… como tenho saudades.

Haverá uma idade certa?! [2]

Malas feitas, bilhete comprado, era hora de pagar mais uma renda e respirar fundo… dentro de horas irei receber o abraço da minha mãe… como tenho saudades.

- Mãe, porque demoras a abrir-me a porta? Estou à entrada à tua espera – liguei eu de surpresa à minha mãe.
A mulher correu até à porta, já vinha lavada em lágrimas, de avental posto, cabelo engelhado, a gritar pelo meu padrasto e pelas minhas irmãs.

- Nunca pensei aguentar tanto tempo sem ter toda esta confusão perto de mim, é bom ver que nada mudou, já bastou a minha mudança.
Tenho tanto para vos contar, mas… mãe, larga-me, ainda não me deixaste entrar e pousar as malas.

Banho quente tomado. Todos os cheiros desta casa, onde sempre vivi, mantinham-se. Agora sei o que realmente quer dizer “Estou em casa”; espreguicei-me na minha cama, tal e qual como a deixei, fechei os olhos e deixei-me sonhar.

Sem horas certas e enrolada na toalha, chamaram-me para jantar, escolhi um vestido colorido e divertido, tal como me sentia; desci as escadas e dei de caras com toda a família inglesa, amigos, e alguém no meio surgiu escondido por um ramo de rosas amarelas (as minhas preferidas).

- Isto não me está a acontecer. O que estás aqui a fazer?! Não bastou todos pensarem mal de mim, quando na verdade não tiveste coragem de assumir os teus erros e ainda fizeste todos acreditar que o erro foi meu? Como tens coragem de pôr aqui os pés?
- Deixa-me explicar. Dá-me apenas 5 minutos.
- Tens esses 5 minutos e depois desaparece. Estou à espera que comeces a falar.

Subimos até ao meu quarto. Sentei-me na cadeira à espera de uma explicação que não iria compreender e que nada iria mudar.

- Eu contei a todos o que fiz. Pedi desculpas aos teus pais, aquelas que te devia ter pedido a ti. Foram eles que me impediram de voar até Portugal à tua procura. Eu já não aguentava estar sem ti. Eu não conseguia não ter esta conversa contigo; tantas vezes a preparei, tantas vezes a tive com o espelho, e agora parecem poucas as palavras.
Desculpa o quanto te magoei, nem vou mencionar o meu arrependimento e os meses em claro, tudo isso foi merecido, e alias, merecia muito mais.
Tu foste o que sempre achei que não merecia ter, e tinha razão; porque se assim não fosse, estarias tu a meu lado e não tinha eu feito tudo o que fiz.
Não vim pedir uma segunda oportunidade, pois já esgotei todas as minhas segundas oportunidades. Queria apenas poder ter-te por perto, poder desculpar-me, remediar todo o mal que fiz.
Queria tanto poder voltar atrás.
(De joelhos no chão) Diz que vais tentar desculpar tudo o que te fiz passar, deixa-me continuar presente na tua vida.
- Como é óbvio, ultrapassaste os 5 minutos.
Há coisas que ninguém devia ter que desculpar, e não, há coisas que também não se conseguem desculpar. Não vou ser tua amiga, nem vou tentar, não te vou querer neste jantar que é para mim umas boas vindas a casa, não te vou tratar mal mas não te vou falar se algum dia me cruzar contigo.
O que conseguiste levar de mim hoje, não foi um perdão, foi uma mágoa.
Agora sai, quero estar com todos de quem senti saudades.
Não senti saudades tuas, porque não te levei no pensamento, deixei-te onde me partiste o coração.
Vou voltar a dizer: Agora sai. Deixa-me com a minha família, não voltes a aparecer, nem a procurar-me.

Jantar estranho este, mas nem por um momento se tocou no nome proibido, nome esse que não vou mencionar sequer.

Ida a hipermercados, compras de sapatos, vestidos, domingos de manhã a entrar na igreja de braço dado com o padrasto; toda a rotina de Darlington, a que já vivera, a que me faz falta em Portugal.
3 Semanas de tranquilidade, de amor de mãe, de ser roubada pelas irmãs (porque será que toda a camisola nova que eu tenha, nunca é estreada por mim?!), serões de cinema e pipocas, apertada no sofá pelas irmãs a um lado e a mãe a outro.

Novamente de malas feitas, desta vez iria custar muito mais; desta vez não era uma fuga, era uma despedida (mesmo que pequena).

De volta ao aeroporto.
De volta à porta do apartamento que dia sim – dia sim recusava as minhas chaves, e me dava uma seca, e um número estúpido de tentativas para a abrir.
- Não acredito nisto, a porta tinha que ser teimosa logo agora que o telefone está a tocar!!!
Hello! Estou sim? Ah! Olá mãe, acabei de chegar. Demorei porque tive um pequeno contratempo com a porta, mas daqui a nada também o resolvo.
Manda um beijinho a todos. Eu vou ligando. Beijinho.

Estava exausta, despenteada e suada. E foi assim mesmo que fui pela primeira vez à marina que antes não conhecera.

Desenvolvi um hábito feio, mal pedi o meu sumo de laranja, acendi o meu cigarro L&M.
O meu cigarro passou a ser o meu calmante, a companhia dos meus pensamentos.

Não podia acreditar. Agora era este que me aparecia à frente!

- Boas tardes menina Carla. Veio à marina aproveitar os últimos dias antes de retomar a rotina?! Nunca a tinha visto por estes lados.
- É verdade. Cheguei à pouco de Inglaterra e resolvi pôr aqui um pézinho.
Ora aqui está o meu sumo. Bem, 2ªfeira às 9horas.
- Sim menina. Deixo-a agora.

Que conversa estranha esta. Mais estranho foi ter pago o meu sumo. O chefe Eduardo pagou-me o sumo.

2ª Feira!! Porque detesto eu 2ªs feiras?!
Estava a 2 semanas e uns dias do meu vigésimo sexto aniversário; o primeiro sozinha, longe de todos.

Chegado o dia 10 de Setembro, acordara mal disposta – mesmo rabugenta – entro no meu escritório ainda de olhos mal abertos e… NÃO… outra vez ele?!
- Bom dia, menina Carla. Queria felicitá-la pelo seu aniversário e desejar-lhe um bom dia. Deixei-lhe uma lembrança perto do seu computador, espero que seja do seu agrado. Bom trabalho menina.

Eu nem abri a boca. De qualquer das formas, não saberia o que dizer. Enganei-me mesmo, não era em nada ranhoso, mas eu também não era um brinquedo.
Mas a verdade é que não consegui recusar o presente; um fio extremamente fino, diferente e que usei de imediato em frente ao espelho que tirei da gaveta, deu-me ainda um livro, como gostava eu de ler e à quanto tempo não o fazia, tinha o título “A força das coisas”. Vi-me levada a folheá-lo, a ler uma e outra página.
Este velho com a mania de usar a sua segurança, que só me deixa insegura e desconfortável, deu-me um livro cativante ao ponto de o começar a ler pela ordem das páginas.
Pouco sei do que fiz hoje no trabalho, estava centrada no livro de bolso que escondia na gaveta ao lado do espelho.
Já em casa, troquei de roupa e fui aproveitar os últimos raios de sol na companhia do meu cigarro de sempre.
Pedi uma torrada, um café e refugiei-me na história que lia.
Estava de tal modo envolvida neste livro oferecido pelo velho Alberto, que nem dei conta da já ausência do sol, do frio que fazia as pessoas afastar-se. E eu no meu vestido solto, apenas pousado pelos ombros, já esvoaçava mostrando o joelho, quando me abordaram.
- O que está a achar do livro? Sabe, tudo acontece com uma certeza, a certeza que tem que acontecer. Espero que um dia possamos debater sobre esta sua leitura, porque eu também já li esse livro, e gostei como é óbvio.
- Sim, quando o acabar lhe direi, e como me te vindo a abordar aqui na marina, um dia conversámos sobre a força das coisas.

Evitei idas à marina depois do trabalho, não fosse eu encontrar o chefe Alberto. Porque insistia tanto ele? Achava engraçada a situação, mas na verdade pouca piada tinha.

Já em Dezembro, altura em que se trabalhava sem saber horas de acabar o dia, dava por mim a comprar prendas para levar para casa, para o chefe Alberto porque foi proposto este ano dar uma prenda ao amigo “Surpresa” que seria exactamente o chefe, o que em tempos me premiou com um Parabéns.
Achei-me com coragem de lhe dar uma gravata engraçada, esperando eu que lhe achasse a mesma piada que eu; assim tinha escrito “O chefe não é ranhoso, eu é que ainda não o sabia”.
O jantar de empresa foi animado e com álcool à mistura e os presentes eram todos uma forma de brincar com as boas e as más relações entre todos; ex-namorados que trocavam presentes, rivais competitivos que mostravam o seu sorriso amarelo ao rasgar o embrulho, e eis que é chegada a minha vez.
Todos sabiam com quem me competia trocar a prenda.
Entreguei a minha dizendo: A minha prenda é uma forma de elogio, serve para lembrar a minha primeira abordagem perante o chefe… Enfim, é suposto ter piada e lembrar a minha “boca grande e inconveniente”.

O chefe deu uma gargalhada e passou a gravata entre todos; ele continuava rindo quando todos os outros me olhavam sem saber como reagir.
Fiquei a achar, a partir deste dia, que tínhamos características em comum, comecei a gostar do homem, ele percebeu a piada e retribuiu da mesma maneira.
Eis a sua prenda: um outro livro, de titulo “Ranhosices de um velho”.
Era a minha vez de soltar uma gargalhada, mas não o fiz, agradeci e sorri-lhe; no entanto desta vez, foram os colegas que se riram de mim, da prenda que a mim tinha sido dada.

O Natal em casa tinha sido tudo como sempre, é bom voltar ao de sempre quando a saudade aperta.

Passaram-se meses e meses da mesma rotina quando retomei o trabalho; pouco tempo me restava para passeios, até porque agora dava preguiça sair de casa com chuva e frio e fins de tarde cinzentos.

Tinha-me tornado fundamental nas decisões da empresa, e como tal, falava muitas vezes com o chefe; chegávamos a prolongar as reuniões durante as horas de almoço, a prolongá-las para lá das 6 da tarde. Acho que nos tínhamos tornado mais do que colegas de trabalho, já tínhamos discutido o livro que tínhamos em comum, já tínhamos tema de conversa para além de trabalho.
Já eram banais e constantes os muitos comentários dos restantes colegas de trabalho, comentários esses que também faziam parte do nosso reportório de temas estúpidos que nos divertiam.

Já os meses passavam e com isso sentíamo-nos à-vontade de continuar o trabalho, ao fim da tarde na marina, onde eu me passeava e onde, vim a saber, ele morava.
Tornamo-nos amigos, para além de colegas.

Entre idas a Darlington e estadia em Portugal, os anos passaram-se. Fui conhecendo pessoas novas, tive um ou outro namorico que tinham sempre uma data para acabar. Andava demasiado insegura, tinha o coração demasiado frágil para conseguir ter alguém; e, com isso, já estava em Portugal quase à 8 anos e novamente solteira.

{Via no Eduardo uma presença masculina, como queria que fosse um pai; desabafávamos um com o outro ora durante um sumo de laranja ora um copo de vinho que ele insistia para que eu provasse.}

Haverá uma idade certa?! [3]

{Via no Eduardo uma presença masculina, como queria que fosse um pai; desabafávamos um com o outro ora durante um sumo de laranja ora um copo de vinho que ele insistia para que eu provasse.}

Eram cada vez mais raros os jantares de empresa, mas por vezes lá tínhamos um ou outro; e durante um ia eu desanimada com a vida e lá bebi mais do que devia. Não sei pormenores do jantar, mas sei que o Eduardo me levou a casa, deitou-me e deixou-se dormir no meu sofá.
Havia sido a primeira vez que ele entrava no meu simples apartamento, e logo eu estava nestas condições.

Como era habito, o despertador toca à hora do costume, como pormenor de hoje ser sábado e acordar com a cabeça pesada, olhos pretos da pintura e o Eduardo na cozinha a preparar o pequeno almoço – algo estranhamente raro para mim, alguém a preocupar-se comigo.

- Sentes-te bem? Ontem o jantar acabou cedo para ti. Estou a fazer um chá e umas torradas, vai tomar um banho e tomamos o pequeno-almoço juntos.

Realmente estava a precisar de um banho – que cara a minha.

- Obrigado por me trazeres a casa. Foste tu que me trouxeste, certo? Eu não me lembro. Acho que bebi demais ontem, ia com a minha cabeça cheia de merda e deu nisto. Desculpa se fiz algo de errado.
- Errado não foi, mas foi despropositado. Beijaste-me.
Olhei para baixo, vermelha como se tivesse sido esbofeteada, não tinha fome mas comi as torradas todas de tanto que me faltava a coragem de olhar para ele. O que fui eu fazer?!
- Não fiques assim… eu gostei. (e sorri) Não estava à espera, aliás, ninguém estava, mas ninguém tem nada com isso, é um assunto nosso.
- Não sei porque o fiz. Desde que cheguei a Portugal foste a única pessoa com quem fui capaz de ter uma relação, somos apenas amigos, mas é só contigo que consigo falar e ser eu própria, as minhas relações não deram em nada, ou eram sexuais ou não eram nada a meu ver.
Talvez por me sentir bem contigo, e mal comigo mesma é que o fiz. Desculpa. Bem sabia, quando acordei, que te devia pedir desculpa por algo, só não sabia que…. Enfim, que vergonha.
- Deixa para lá, eu sei como és, alias, eu conheço-te, e estás desculpada (sorri novamente).
- Desculpa se te fiz sentir mal. Tu és o chefe e eu uma funcionaria apenas, não devia ter acontecido. E, tu também, porque deixaste tal coisa acontecer?
- Foi bom. Tal como as tuas, as minhas relações também foram todas falhadas, já merecia um mimo. (sorri novamente) E foi um beijo teu, não foi de alguém que à partida iria recusar. Até porque, nem te devia dizer isto, mas já imaginei como seria veres-me com outros olhos, para além de um amigo. Não imaginei um beijo teu, mas já me senti curioso com tal.
- Não digas isso. Dessa não estava eu à espera. Agora ainda estou mais envergonhada.
Bem sei que gostas de conquistar, mas sempre te vi como um chefe e mais recentemente como um amigo, por isso o beijo não devia ter acontecido, nem estando bêbada nem desiludida com a vida. Devia ter separado as coisas e devia ter sido mais responsável ao ponto de não beber ate me ter agarrado ao pescoço do meu chefe. Que estupidez.
- Agora digo eu, não digas isso. Aconteceu, não precisa de acontecer novamente, basta não o quereres.
Acho que está na hora de ir embora, já vi que estás “bem”, deixo-te com os teus pensamentos. Se quiseres, ao fim da tarde procura-me na marina e conversamos um pouco. Beijinho. Fica bem.

Como foi isto acontecer. E o pior é que não tinha mais ninguém com quem falar, com que me aconselhar, alguém que me chamasse à razão, alguém que me dissesse o que fazer. Fodasse. Já devia saber até onde podia beber, já devia saber tanta coisa que desde que cheguei a Portugal fiz ou não devia ter feito.

Deitei-me o resto do dia, estava realmente deprimida, cheia de pensamentos na minha cabeça; que mais teria acontecido durante as 3h do jantar de ontem?!

À noite, já de pijama, não tinha vontade de cozinhar para mim e como tal, não jantei, quando a campainha toca. Quem seria? Não havia grande possibilidade de visitas.
Era o Eduardo, trazia um saco na mão e uma rosa branca na outra.

- Boa noite. Mais calma? Trouxe-te jantar, deduzi que a preguiça te fizesse ficar na cama. Vou aquecer a sopa, toca a levantar o rabo da cama e pôr a mesa.

Dito e feito. Mesa posta, jantar silencioso.
Vimos um filme sentados no tapete felpudo da sala, rimos mas nunca tocamos no assunto de à umas horas atrás. Sentia-me envergonhada.
À saída, deu-me um abraço que nem eu sabia que precisava.

- Obrigado. Era tudo quanto precisava. És um bom amigo. Desculpa o que fiz e o que disse, ou o que não fiz e o que não disse.

Inclinou-se mais uma vez e abraçou-me de novo, sentia-me estranhamente bem nos seus braços, olhamo-nos, beijamo-nos. E não dissemos uma palavra.
No dia seguinte, nada foi estranho, cumprimentamo-nos com um beijo tímido nos lábios e desde então estamos juntos. Como adolescentes, às escondidas dos colegas de trabalho, mas estamos juntos.

Passaram-se alguns meses, e os olhares curiosos dos colegas perguntavam-se se realmente havia lago entre nós; até que um dia saídos do elevador, o Eduardo põe o braço à minha volta e todos se calam.

Foi então que nesse dia me convidou para um passeio no seu barco, na sua casa sobre a água, na marina onde nos fomos conhecendo a cada dia.
Um domingo em que passeamos, em que me fizeste o jantar e fizemos amor como se fosse a primeira vez.

Foi com os meus 34 anos que tive o meu primeiro romance.
Um romance arrebatador. Não era virgem até encontrar o Eduardo, mas faltava-me conhecer tanto sobre o amor, esse tanto que fui conhecendo ao lado no Eduardo, o chefe engravatado durante a semana, e aquele que víamos logo de manha numa esplanada junto à praia, de chinelo e calção. O chefe a quem chamei ranhoso, com a mania que tinha dinheiro.

Não foi o melhor começo, ou então foi.
Foi o nosso, e não podia ter sido melhor desde então.

- Eduardo casamos?

{Eliana Oliveira}
{17.Agosto.2009}
{nas noites em que o sono não vinha, quando não tinha a tua companhia}