09 novembro, 2009

Podia ter sido tão diferente…

Se hoje fosse o teu ultimo dia.
Lamento, mas não lamentava.
Não iria chorar nem pegar na tua mão.
Iria sim começar de novo, ganhar o sorriso que sinto roubado de cada vez que entro pela mesma porta que tu, iria custar não ter o que me dás, mas no entanto renuncio ao que nunca me deste.
Deste-me a mão? Não. Não a quero agora.
As tuas costas sei-as de cor.
Um dia eu vou ter pena, daquilo que nunca tive e merecia ter.
E tu, tu não vais ter nada que me ligue a ti. Vais arrepender-te do caminho que traçaste e que me obrigaste também a percorrer.
Não te odeio, porque isso ainda vale alguma coisa.
Destroca as palavras que foste ouvindo e tem consciência do que nunca ganhaste, e que a todos os dias mereces ainda menos ter.
Partilhamos o nome, foi apenas isso que me deixaste.
Não te ódio, mas odiava menos se me deixasses ser eu e começar de novo.


[A Eliana Oliveira, sobre um outro Oliveira]
Apenas um nome e um sentimento em comum.
[08.11.2009]

30 agosto, 2009

Um final feliz aos meus filhos

Um dia vou escrever um livro.
Um livro para que possa comprar e fazer acreditar aos meus filhos, que histórias como as minhas escritas ainda existem.

Vou-lhes contar a minha história, até encontrar a pessoa certa, aquele a quem chamam carinhosamente: "Pai"!.
{Eliana Oliveira}

17 agosto, 2009

Haverá uma idade certa?! [1]

Foi com os meus 34 anos que tive o meu primeiro romance.
Um romance arrebatador. Não era virgem até encontrar o Eduardo, mas faltava-me conhecer tanto sobre o amor.

Ele era um velho, como lhe chamava, um daqueles bem vestidos e inteligentes, vividos e cativantes, cheios de charme – quero dizer.
Era um daqueles engravatados durante a semana, e aquele que víamos logo de manha numa esplanada junto à praia, de chinelo e calção.
Adorava estas noites frias de Verão, para me provocar com convites no seu barco, estrategicamente atracado na marina, que tanto frequentávamos, convites esses que eu sempre recusava.

- O teu charme não resulta comigo. – Dizia-te eu vezes sem conta. Mas toda a atenção que me davas, o tempo que era sempre para mim, fazia-me sentir bem. Era alguém assim, que queria para mim.
- Vem jantar, hoje cozinho eu. Levo o barco para o meio do nada; musica, vinho e a tua companhia. Falamos, dançamos, abrimos outra garrafa. Eu não queria ouvir outra vez um não. Faz-me a vontade desta vez.
- Tenho uma condição. Já que tenho que aceitar, será assim: levas-me a passear durante a tarde deste próximo Domingo, e se conseguir suportar a tua companhia, então, aí, ficarei para jantar; jantar esse que tu farás, enquanto eu tomo um belo dum banho quente. E tu, sem espreitares, penduras a toalha estrategicamente ao lado de um copo de vinho.
Não quero música nem velas. Está combinado?!
- Está combinado. Farei como me dizes.

Tinha eu tomado o meu banho.
A propósito, eu sou a Carla, a típica inglesa que aos 16 anos ganhou um carro, aos 18 teve a sua festa de finalista com o seu namorado, com direito a todo o romance, às velas e música que agora não incluía nos meus dias. Vim para Portugal com o coração partido aos 25 anos, quando pensei saber o que era o amor, quando quis dar a mim própria um novo começar.
Deixei o padrasto e a mãe, as irmãs e os poucos amigos que restaram de uma quebra do namoro de quase 8 anos.
Com uma mala pequena andei de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Alentejo e deixei-me ficar numas das pontas do pais - Portimão.
Tinha chegado pouco antes do Natal, em meados de Novembro; lá arranjei um cubículo onde dormir e onde pude tomar um bom banho de água a escaldar.
Não tinha dificuldade com a língua, mas tinha muita dificuldade em esconder os traços ingleses e a pronúncia inglesada.
Cheguei com uma pele bem clara, uns olhos claros bem mais que comuns em Darlington (cidade de Londres), mas cansados e tristes.
Tudo se foi recompondo, o dinheiro ainda era algum para passear e viver sem emprego.
Procurei um apartamento pequeno, que fosse do meu agrado financeiro e geográfico.
Pintei o cabelo, de um castanho comum em Portugal, já me sentia mais integrada, mais contente por mudar, com vontade de colar as peças perdidas do meu coração.
Porquê Portugal?! Pois, o meu pai era Português, algarvio, pescador, tenho curiosidade em conhecê-lo, encontrá-lo.

Arranjei emprego, suspeito que tenha sido pelos meus lindos olhos avelã e pelas pernas longas e magras que tenho; pouco me importava, este mês conseguia pagar o apartamento perto da marina que consegui encontrar.
Neste emprego, lidava directamente com os pedidos dos clientes… Marketing e Publicidade, sempre tive grande facilidade em falar; facilmente me fui tornando importante na empresa.
Havia passado meio ano, e a minha vida era pouco mais do que o trabalho; sentia saudades de casa, de semanas de férias, de namorar, sentia-me mais sozinha do que queria admitir.
Em tempos ligava à minha mãe todas as semanas, mas nos últimos 3meses, tinha feito apenas 2 telefonemas. De todas as vezes que estava mais triste pensava em ligar para casa, mas se o fizesse iria querer o colo que só a minha mãe me sabia dar.
Desistia sempre e ia dormir, ou passar as noites em claro – como acontecia.

Era um novo dia de trabalho.
Tinha acabado de chegar, com uma chávena de café na mão e com uma cara de sono mal dormido, quando me dizem:
- Viste o e-mail que a empresa mandou, (claro que não vi, ainda não tinha o dinheiro para comprar um portátil, e muito menos para internet), hoje há uma reunião com o chefe, o novo sócio.
- Espero que não seja um ranhoso, com a mania que tem dinheiro.
- Não menina, ouvi dizer que o novo chefe estava disposto a dar um aumento, e nunca ouvi falar em ranhosices.
A propósito, eu sou o Alberto, o novo chefe. A menina como se chama?
- Eu sou a Carla, talvez a mais recente contratada que não vai ser aumentada, por ter suposto que o novo chefe era um ranhoso.
- Muito prazer Carla. Comecemos então a reunião.

Como é obvio, tentei não dar nas vistas até o dia acabar, evitando olhar nos olhos deste Alberto com a mania que era um velho charmoso e com a generosidade de não me despedir.
Corri para casa, e sim, liguei à minha mãe a contar tal peripécia estúpida.

Durante um par de meses evitei estas reuniões, e mesmo cruzar-me com o chefe Alberto; tinha que me manter empregada para suportar a renda alta em frente à marina.
Até ao dia em que o chefe marcou uma reunião, apenas e só comigo, não havia como fugir.
Lá me propôs um novo cargo, devido ao meu bom trabalho até à data, olhou-me nos olhos e nunca mencionou a minha “boca grande”.
Rematara apenas: “Espero que já tenho uma melhor opinião minha.”
Sai fingindo que não tinha ouvido tal comentário, escondi-me atrás de secretaria, acabei o trabalho mais cedo e só imaginava um banho e enterrar-me no sofá com pipocas no colo.
Restavam-me duas semanas para as férias merecidas, ia rever a minha mãe, ia voltar por 3 semanas a Darlington, Inglaterra.

Lá preparei as malas do suposto Verão que ia passar em casa; tanto mudou em quase 9 meses neste pais onde comecei de novo.
9 meses em que não conheci a marina que todos os dias via da janela, onde via nascer e morrer o sol, onde acompanhava passeios de namorados, zangas e sorrisos. Quando voltasse, ainda ia estender o corpinho nas cadeiras ao sol, nem que fosse uma vez apenas.
Malas feitas, bilhete comprado, era hora de pagar mais uma renda e respirar fundo… dentro de horas irei receber o abraço da minha mãe… como tenho saudades.

Haverá uma idade certa?! [2]

Malas feitas, bilhete comprado, era hora de pagar mais uma renda e respirar fundo… dentro de horas irei receber o abraço da minha mãe… como tenho saudades.

- Mãe, porque demoras a abrir-me a porta? Estou à entrada à tua espera – liguei eu de surpresa à minha mãe.
A mulher correu até à porta, já vinha lavada em lágrimas, de avental posto, cabelo engelhado, a gritar pelo meu padrasto e pelas minhas irmãs.

- Nunca pensei aguentar tanto tempo sem ter toda esta confusão perto de mim, é bom ver que nada mudou, já bastou a minha mudança.
Tenho tanto para vos contar, mas… mãe, larga-me, ainda não me deixaste entrar e pousar as malas.

Banho quente tomado. Todos os cheiros desta casa, onde sempre vivi, mantinham-se. Agora sei o que realmente quer dizer “Estou em casa”; espreguicei-me na minha cama, tal e qual como a deixei, fechei os olhos e deixei-me sonhar.

Sem horas certas e enrolada na toalha, chamaram-me para jantar, escolhi um vestido colorido e divertido, tal como me sentia; desci as escadas e dei de caras com toda a família inglesa, amigos, e alguém no meio surgiu escondido por um ramo de rosas amarelas (as minhas preferidas).

- Isto não me está a acontecer. O que estás aqui a fazer?! Não bastou todos pensarem mal de mim, quando na verdade não tiveste coragem de assumir os teus erros e ainda fizeste todos acreditar que o erro foi meu? Como tens coragem de pôr aqui os pés?
- Deixa-me explicar. Dá-me apenas 5 minutos.
- Tens esses 5 minutos e depois desaparece. Estou à espera que comeces a falar.

Subimos até ao meu quarto. Sentei-me na cadeira à espera de uma explicação que não iria compreender e que nada iria mudar.

- Eu contei a todos o que fiz. Pedi desculpas aos teus pais, aquelas que te devia ter pedido a ti. Foram eles que me impediram de voar até Portugal à tua procura. Eu já não aguentava estar sem ti. Eu não conseguia não ter esta conversa contigo; tantas vezes a preparei, tantas vezes a tive com o espelho, e agora parecem poucas as palavras.
Desculpa o quanto te magoei, nem vou mencionar o meu arrependimento e os meses em claro, tudo isso foi merecido, e alias, merecia muito mais.
Tu foste o que sempre achei que não merecia ter, e tinha razão; porque se assim não fosse, estarias tu a meu lado e não tinha eu feito tudo o que fiz.
Não vim pedir uma segunda oportunidade, pois já esgotei todas as minhas segundas oportunidades. Queria apenas poder ter-te por perto, poder desculpar-me, remediar todo o mal que fiz.
Queria tanto poder voltar atrás.
(De joelhos no chão) Diz que vais tentar desculpar tudo o que te fiz passar, deixa-me continuar presente na tua vida.
- Como é óbvio, ultrapassaste os 5 minutos.
Há coisas que ninguém devia ter que desculpar, e não, há coisas que também não se conseguem desculpar. Não vou ser tua amiga, nem vou tentar, não te vou querer neste jantar que é para mim umas boas vindas a casa, não te vou tratar mal mas não te vou falar se algum dia me cruzar contigo.
O que conseguiste levar de mim hoje, não foi um perdão, foi uma mágoa.
Agora sai, quero estar com todos de quem senti saudades.
Não senti saudades tuas, porque não te levei no pensamento, deixei-te onde me partiste o coração.
Vou voltar a dizer: Agora sai. Deixa-me com a minha família, não voltes a aparecer, nem a procurar-me.

Jantar estranho este, mas nem por um momento se tocou no nome proibido, nome esse que não vou mencionar sequer.

Ida a hipermercados, compras de sapatos, vestidos, domingos de manhã a entrar na igreja de braço dado com o padrasto; toda a rotina de Darlington, a que já vivera, a que me faz falta em Portugal.
3 Semanas de tranquilidade, de amor de mãe, de ser roubada pelas irmãs (porque será que toda a camisola nova que eu tenha, nunca é estreada por mim?!), serões de cinema e pipocas, apertada no sofá pelas irmãs a um lado e a mãe a outro.

Novamente de malas feitas, desta vez iria custar muito mais; desta vez não era uma fuga, era uma despedida (mesmo que pequena).

De volta ao aeroporto.
De volta à porta do apartamento que dia sim – dia sim recusava as minhas chaves, e me dava uma seca, e um número estúpido de tentativas para a abrir.
- Não acredito nisto, a porta tinha que ser teimosa logo agora que o telefone está a tocar!!!
Hello! Estou sim? Ah! Olá mãe, acabei de chegar. Demorei porque tive um pequeno contratempo com a porta, mas daqui a nada também o resolvo.
Manda um beijinho a todos. Eu vou ligando. Beijinho.

Estava exausta, despenteada e suada. E foi assim mesmo que fui pela primeira vez à marina que antes não conhecera.

Desenvolvi um hábito feio, mal pedi o meu sumo de laranja, acendi o meu cigarro L&M.
O meu cigarro passou a ser o meu calmante, a companhia dos meus pensamentos.

Não podia acreditar. Agora era este que me aparecia à frente!

- Boas tardes menina Carla. Veio à marina aproveitar os últimos dias antes de retomar a rotina?! Nunca a tinha visto por estes lados.
- É verdade. Cheguei à pouco de Inglaterra e resolvi pôr aqui um pézinho.
Ora aqui está o meu sumo. Bem, 2ªfeira às 9horas.
- Sim menina. Deixo-a agora.

Que conversa estranha esta. Mais estranho foi ter pago o meu sumo. O chefe Eduardo pagou-me o sumo.

2ª Feira!! Porque detesto eu 2ªs feiras?!
Estava a 2 semanas e uns dias do meu vigésimo sexto aniversário; o primeiro sozinha, longe de todos.

Chegado o dia 10 de Setembro, acordara mal disposta – mesmo rabugenta – entro no meu escritório ainda de olhos mal abertos e… NÃO… outra vez ele?!
- Bom dia, menina Carla. Queria felicitá-la pelo seu aniversário e desejar-lhe um bom dia. Deixei-lhe uma lembrança perto do seu computador, espero que seja do seu agrado. Bom trabalho menina.

Eu nem abri a boca. De qualquer das formas, não saberia o que dizer. Enganei-me mesmo, não era em nada ranhoso, mas eu também não era um brinquedo.
Mas a verdade é que não consegui recusar o presente; um fio extremamente fino, diferente e que usei de imediato em frente ao espelho que tirei da gaveta, deu-me ainda um livro, como gostava eu de ler e à quanto tempo não o fazia, tinha o título “A força das coisas”. Vi-me levada a folheá-lo, a ler uma e outra página.
Este velho com a mania de usar a sua segurança, que só me deixa insegura e desconfortável, deu-me um livro cativante ao ponto de o começar a ler pela ordem das páginas.
Pouco sei do que fiz hoje no trabalho, estava centrada no livro de bolso que escondia na gaveta ao lado do espelho.
Já em casa, troquei de roupa e fui aproveitar os últimos raios de sol na companhia do meu cigarro de sempre.
Pedi uma torrada, um café e refugiei-me na história que lia.
Estava de tal modo envolvida neste livro oferecido pelo velho Alberto, que nem dei conta da já ausência do sol, do frio que fazia as pessoas afastar-se. E eu no meu vestido solto, apenas pousado pelos ombros, já esvoaçava mostrando o joelho, quando me abordaram.
- O que está a achar do livro? Sabe, tudo acontece com uma certeza, a certeza que tem que acontecer. Espero que um dia possamos debater sobre esta sua leitura, porque eu também já li esse livro, e gostei como é óbvio.
- Sim, quando o acabar lhe direi, e como me te vindo a abordar aqui na marina, um dia conversámos sobre a força das coisas.

Evitei idas à marina depois do trabalho, não fosse eu encontrar o chefe Alberto. Porque insistia tanto ele? Achava engraçada a situação, mas na verdade pouca piada tinha.

Já em Dezembro, altura em que se trabalhava sem saber horas de acabar o dia, dava por mim a comprar prendas para levar para casa, para o chefe Alberto porque foi proposto este ano dar uma prenda ao amigo “Surpresa” que seria exactamente o chefe, o que em tempos me premiou com um Parabéns.
Achei-me com coragem de lhe dar uma gravata engraçada, esperando eu que lhe achasse a mesma piada que eu; assim tinha escrito “O chefe não é ranhoso, eu é que ainda não o sabia”.
O jantar de empresa foi animado e com álcool à mistura e os presentes eram todos uma forma de brincar com as boas e as más relações entre todos; ex-namorados que trocavam presentes, rivais competitivos que mostravam o seu sorriso amarelo ao rasgar o embrulho, e eis que é chegada a minha vez.
Todos sabiam com quem me competia trocar a prenda.
Entreguei a minha dizendo: A minha prenda é uma forma de elogio, serve para lembrar a minha primeira abordagem perante o chefe… Enfim, é suposto ter piada e lembrar a minha “boca grande e inconveniente”.

O chefe deu uma gargalhada e passou a gravata entre todos; ele continuava rindo quando todos os outros me olhavam sem saber como reagir.
Fiquei a achar, a partir deste dia, que tínhamos características em comum, comecei a gostar do homem, ele percebeu a piada e retribuiu da mesma maneira.
Eis a sua prenda: um outro livro, de titulo “Ranhosices de um velho”.
Era a minha vez de soltar uma gargalhada, mas não o fiz, agradeci e sorri-lhe; no entanto desta vez, foram os colegas que se riram de mim, da prenda que a mim tinha sido dada.

O Natal em casa tinha sido tudo como sempre, é bom voltar ao de sempre quando a saudade aperta.

Passaram-se meses e meses da mesma rotina quando retomei o trabalho; pouco tempo me restava para passeios, até porque agora dava preguiça sair de casa com chuva e frio e fins de tarde cinzentos.

Tinha-me tornado fundamental nas decisões da empresa, e como tal, falava muitas vezes com o chefe; chegávamos a prolongar as reuniões durante as horas de almoço, a prolongá-las para lá das 6 da tarde. Acho que nos tínhamos tornado mais do que colegas de trabalho, já tínhamos discutido o livro que tínhamos em comum, já tínhamos tema de conversa para além de trabalho.
Já eram banais e constantes os muitos comentários dos restantes colegas de trabalho, comentários esses que também faziam parte do nosso reportório de temas estúpidos que nos divertiam.

Já os meses passavam e com isso sentíamo-nos à-vontade de continuar o trabalho, ao fim da tarde na marina, onde eu me passeava e onde, vim a saber, ele morava.
Tornamo-nos amigos, para além de colegas.

Entre idas a Darlington e estadia em Portugal, os anos passaram-se. Fui conhecendo pessoas novas, tive um ou outro namorico que tinham sempre uma data para acabar. Andava demasiado insegura, tinha o coração demasiado frágil para conseguir ter alguém; e, com isso, já estava em Portugal quase à 8 anos e novamente solteira.

{Via no Eduardo uma presença masculina, como queria que fosse um pai; desabafávamos um com o outro ora durante um sumo de laranja ora um copo de vinho que ele insistia para que eu provasse.}

Haverá uma idade certa?! [3]

{Via no Eduardo uma presença masculina, como queria que fosse um pai; desabafávamos um com o outro ora durante um sumo de laranja ora um copo de vinho que ele insistia para que eu provasse.}

Eram cada vez mais raros os jantares de empresa, mas por vezes lá tínhamos um ou outro; e durante um ia eu desanimada com a vida e lá bebi mais do que devia. Não sei pormenores do jantar, mas sei que o Eduardo me levou a casa, deitou-me e deixou-se dormir no meu sofá.
Havia sido a primeira vez que ele entrava no meu simples apartamento, e logo eu estava nestas condições.

Como era habito, o despertador toca à hora do costume, como pormenor de hoje ser sábado e acordar com a cabeça pesada, olhos pretos da pintura e o Eduardo na cozinha a preparar o pequeno almoço – algo estranhamente raro para mim, alguém a preocupar-se comigo.

- Sentes-te bem? Ontem o jantar acabou cedo para ti. Estou a fazer um chá e umas torradas, vai tomar um banho e tomamos o pequeno-almoço juntos.

Realmente estava a precisar de um banho – que cara a minha.

- Obrigado por me trazeres a casa. Foste tu que me trouxeste, certo? Eu não me lembro. Acho que bebi demais ontem, ia com a minha cabeça cheia de merda e deu nisto. Desculpa se fiz algo de errado.
- Errado não foi, mas foi despropositado. Beijaste-me.
Olhei para baixo, vermelha como se tivesse sido esbofeteada, não tinha fome mas comi as torradas todas de tanto que me faltava a coragem de olhar para ele. O que fui eu fazer?!
- Não fiques assim… eu gostei. (e sorri) Não estava à espera, aliás, ninguém estava, mas ninguém tem nada com isso, é um assunto nosso.
- Não sei porque o fiz. Desde que cheguei a Portugal foste a única pessoa com quem fui capaz de ter uma relação, somos apenas amigos, mas é só contigo que consigo falar e ser eu própria, as minhas relações não deram em nada, ou eram sexuais ou não eram nada a meu ver.
Talvez por me sentir bem contigo, e mal comigo mesma é que o fiz. Desculpa. Bem sabia, quando acordei, que te devia pedir desculpa por algo, só não sabia que…. Enfim, que vergonha.
- Deixa para lá, eu sei como és, alias, eu conheço-te, e estás desculpada (sorri novamente).
- Desculpa se te fiz sentir mal. Tu és o chefe e eu uma funcionaria apenas, não devia ter acontecido. E, tu também, porque deixaste tal coisa acontecer?
- Foi bom. Tal como as tuas, as minhas relações também foram todas falhadas, já merecia um mimo. (sorri novamente) E foi um beijo teu, não foi de alguém que à partida iria recusar. Até porque, nem te devia dizer isto, mas já imaginei como seria veres-me com outros olhos, para além de um amigo. Não imaginei um beijo teu, mas já me senti curioso com tal.
- Não digas isso. Dessa não estava eu à espera. Agora ainda estou mais envergonhada.
Bem sei que gostas de conquistar, mas sempre te vi como um chefe e mais recentemente como um amigo, por isso o beijo não devia ter acontecido, nem estando bêbada nem desiludida com a vida. Devia ter separado as coisas e devia ter sido mais responsável ao ponto de não beber ate me ter agarrado ao pescoço do meu chefe. Que estupidez.
- Agora digo eu, não digas isso. Aconteceu, não precisa de acontecer novamente, basta não o quereres.
Acho que está na hora de ir embora, já vi que estás “bem”, deixo-te com os teus pensamentos. Se quiseres, ao fim da tarde procura-me na marina e conversamos um pouco. Beijinho. Fica bem.

Como foi isto acontecer. E o pior é que não tinha mais ninguém com quem falar, com que me aconselhar, alguém que me chamasse à razão, alguém que me dissesse o que fazer. Fodasse. Já devia saber até onde podia beber, já devia saber tanta coisa que desde que cheguei a Portugal fiz ou não devia ter feito.

Deitei-me o resto do dia, estava realmente deprimida, cheia de pensamentos na minha cabeça; que mais teria acontecido durante as 3h do jantar de ontem?!

À noite, já de pijama, não tinha vontade de cozinhar para mim e como tal, não jantei, quando a campainha toca. Quem seria? Não havia grande possibilidade de visitas.
Era o Eduardo, trazia um saco na mão e uma rosa branca na outra.

- Boa noite. Mais calma? Trouxe-te jantar, deduzi que a preguiça te fizesse ficar na cama. Vou aquecer a sopa, toca a levantar o rabo da cama e pôr a mesa.

Dito e feito. Mesa posta, jantar silencioso.
Vimos um filme sentados no tapete felpudo da sala, rimos mas nunca tocamos no assunto de à umas horas atrás. Sentia-me envergonhada.
À saída, deu-me um abraço que nem eu sabia que precisava.

- Obrigado. Era tudo quanto precisava. És um bom amigo. Desculpa o que fiz e o que disse, ou o que não fiz e o que não disse.

Inclinou-se mais uma vez e abraçou-me de novo, sentia-me estranhamente bem nos seus braços, olhamo-nos, beijamo-nos. E não dissemos uma palavra.
No dia seguinte, nada foi estranho, cumprimentamo-nos com um beijo tímido nos lábios e desde então estamos juntos. Como adolescentes, às escondidas dos colegas de trabalho, mas estamos juntos.

Passaram-se alguns meses, e os olhares curiosos dos colegas perguntavam-se se realmente havia lago entre nós; até que um dia saídos do elevador, o Eduardo põe o braço à minha volta e todos se calam.

Foi então que nesse dia me convidou para um passeio no seu barco, na sua casa sobre a água, na marina onde nos fomos conhecendo a cada dia.
Um domingo em que passeamos, em que me fizeste o jantar e fizemos amor como se fosse a primeira vez.

Foi com os meus 34 anos que tive o meu primeiro romance.
Um romance arrebatador. Não era virgem até encontrar o Eduardo, mas faltava-me conhecer tanto sobre o amor, esse tanto que fui conhecendo ao lado no Eduardo, o chefe engravatado durante a semana, e aquele que víamos logo de manha numa esplanada junto à praia, de chinelo e calção. O chefe a quem chamei ranhoso, com a mania que tinha dinheiro.

Não foi o melhor começo, ou então foi.
Foi o nosso, e não podia ter sido melhor desde então.

- Eduardo casamos?

{Eliana Oliveira}
{17.Agosto.2009}
{nas noites em que o sono não vinha, quando não tinha a tua companhia}

31 julho, 2009

Fazes – me falta

Gostava de ainda poder ter conversas contigo.
Aprender como aprendi, rir e sonhar um dia ser como tu.
Nunca conheci ninguém como tu. Fazes-me falta nos dias que te lembro.
Lembro-me de passeio na praia, fazer-te dormir a meu lado.
Tudo parecia tão simples. Gostava de voltar a ter 10 anos.
Voltar aos anos em que era ainda mais ingénua.
Aos anos em que a família era o mais importante.
Voltava e não te largava, dizia à minha mãe, o “Gosto de ti” que ela tanto gostava de ouvir; moldava o temperamento quase militar do meu velho (diga-se já que somos parecidos), mudava-me e mudava objectivos.
Não te deixava sozinha um segundo, fazia com que sozinha nunca te sentisses (na cama de casa, na cama do hospital), queria ter percebido que te ia perder, queria ter sido adulta aos 12 anos, queria trocar contigo, queria ter-te dado a mão quando…

Não lembro quando te disse que gostava de ti, não lembro de te ter abraçado e de ter dormido no teu colo no sofá em frente à televisão. Queria lembrar e poder voltar a fazê-lo.

Lembras do dia em que queria dormir contigo, e não deixaram? Não me importei. Desde que fosse a primeira a dar-te um beijinho de bom dia

Assim foi, mas… estavas diferente. Nua de cabelo.
Que estava a acontecer-te?!
Já não te ouvia rir, já não me fazias camisolas de lã, nem cachecóis… já não dormia no teu colo.
Alias, já não te via fora das paredes desse hospital que nunca mais visitei.
Talvez um dia lá vá… por mim ou por outro alguém.

Gostava de lembrar do teu cheiro, gostava de lembrar que gostavas de mim, gostava de ver o teu rosto quando me olhavas.
Gostava de te dizer: Gosto muito de ti.

Tenho tantas saudades de tudo o que vivi, do que faltou viver contigo.
Com quem posso eu agora partilhar conversas como as nossas, brincadeiras como as nossas?

Eu vou ganhar coragem ara te visitar e deixar-te uma rosa vermelha, como sinal de todo o amor que me fizeste sentir, por todo o amor que deixaste em mim.

Gostava que em todo o Abril não existisse um dia 19.
Eu vou comprar a rosa, Avó.
Tenho saudades tuas, Vó.

Um beijinho com lágrima.
Espero que me dês a mão, quando o momento for o certo.
A tua neta, Liana.

Fazes-me falta.
{21 de Julho de 2009}
{Eliana Oliveira} {Noites em branco}

27 junho, 2009

Estou prestes a dizer-te aquilo que não queres ouvir…

Um dia chegaste, saído do trabalho. E estando eu, numa das poucas vezes, a passear, depois de deixar o carro já não me lembro onde; eis que vens de encontro a mim, literalmente de encontro a mim…Quase te queimei com o meu cigarro, quase apaguei o cigarro em ti, quase me derrubavas.Não sei mesmo quantas vezes me pediste desculpa.
Desculpa também, mas exageraste, não me ias partir um pedaço.Foi um encontro, que se transformou numa “perseguição”.
Estavas tão cansado e tão perdido deste mundo quanto eu.
A última vez que olhei para trás, lá vinhas tu, sorri-te; tu também sorriste. Era engraçado, como se fosse mesmo um encontro e não um encontro.
Eu sentei no muro que dividia a praia do passeio, sentei para ler, olhar o mar e estar comigo própria.
Ouvi um flash… fogo, não é que eras tu outra vez…
Lá ouvi dizer outra dúzia de vezes “Desculpa”…
Desta vez disse-te mesmo. Já chega! Andas-me a seguir?...
Disseste que, por acaso, a intenção era roubar-me o rosto, prendê-lo naquele aparelho, para mais tarde o rever.

- Gostei dos teus traços, do teu rosto, do olhar que fizeste a um desconhecido. O mais verdadeiro, sem nada a perder e sem nada a ganhar. Cativou-me. Desculpa. A propósito, sou o Dee… Diego.

- Sou de muitas palavras, mas fico-me por um silêncio. Levas apenas o meu nome… Lee… Eliana… E eu levo a máquina. Amanha sou eu quem te vai parar no tempo com ela. Aqui, onde sou hoje. Vais sentar à minha espera. Por hoje a máquina é minha. Até amanha. Obrigado.

- Deixa-me sentar aqui hoje, ler nos teus olhos as amarguras, deixa-me ler-te.

- Até amanha.

Enquanto te dizia até amanha, não queria ir; dei-te a mão e pus-me em pontas, dei-te um beijo na face. Recebo um abraço de volta.
Arrancas-me um sorriso.

- Guarda este meu sorriso, leva-o contigo.
Engraçado, não combinamos horas.
Era um dia cansativo para mim, faltavam quinze minutos para as seis horas quando te vi. De costas para mim, com o olhar ora no mar, ora no papel que enchias de rabiscos. Estavas concentrado. Deixei-me aparecer a teu lado, de câmara a postos. E click, no momento em que me olhavas através da objectiva. Ficaste com o ar mais natural possível, despenteado, com umas marcas na cara do carvão que usavas para desenhar. Desenhavas um rosto, que rápido escondeste de mim.
- Espero por ti desde as duas horas… Pensei não ver-te hoje, não ver-te mais. Um dia mostro-te o rosto que quase consigo desenhar perfeito. Perfeito é realmente o rosto. Deixa-me fotografar-te.
Desculpa, ainda não te deixei falar…

- (Sorri) Não tenho muito a dizer. Estou a gostar de te ouvir falar. De verdade. Gosto da tua voz.Os teus olhos são verdes, (aproximo-me), e têm uns raios amarelos. Gosto da tua voz e dos teus olhos.
- Cala-te… Desculpa, não era isto que queria dizer. Ou melhor, era. Quero só olhar-te. Este rosto perfeito que tento desenhar é o teu, temo não o conseguir passar para o papel. Queria olhar-te sempre que não te posso ver. Agora sou eu quem me vou calar.
- Desde que cheguei que estás diante de mim. Senta-te aqui a meu lado. Deixa cair a tua mão na minha; as minhas estão frias.
Dee, não é? Não queres caminhar um bocado pela areia?

Começou a desaparecer o sol.
Vários foram os flashes, uns ao sol, outros directamente ao sorriso do outro.
Caminhamos até uma outra praia.
Sentamo-nos, ou melhor (estávamos cansados) e acabamos por deitar o corpo na areia.Suspiramos os dois e soltamos uma gargalhada. Estávamos realmente cansados.
Rebolaste na areia como uma criança, até me ri de ti, deitaste a tua cabeça no meu ombro, enquanto olhávamos os dois para o céu cada vez mais escuro.
- Sabes, ainda bem que te segui ontem, pena não ter levado este rosto para poder ver sempre que essa fosse a vontade. Mas ainda bem que vieste hoje, e ainda bem que leio nesse sorriso um até amanha. Agrada. Ver-te-ei amanha. Não preciso dizer mais. Sinto que te conheço, no real sentido da palavra. Sabes, ficava aqui. Deitado no teu ombro, a sentir o teu cheiro, o teu calor, aqui contigo.
Estou prestes a dizer-te aquilo que não queres ouvir.

- Cala-te, (sorrio), agora é a minha vez de o dizer. Gosto de ti.

- Não acredito. Disseste o que eu pensava não quereres ouvir.

Numa praia…
Eu e o Dee…
Sim, demos um beijo…

{Eliana Oliveira}
[7.10.2008]

Era dia, era noite…

Era dia, era noite.
Era o sexto dia em que o beijava, era o milésimo em que sonhava beija-lo.
Tinha vontade de o ver, de lhe tocar na face, sentir o seu abraço.
Era noite, e regressava a casa, para uma cama onde sonhava ser rodeada com os seus braços, sentir o seu sabor, ficar horas e horas e brincar no seu peito, na sua barriga, falar enquanto o calava com um beijo.
Nada acontecia e a roupa não se mexia, não diziam que se gostavam, mas sabiam-no, percebiam-no a cada olhar.
Perdiam-se em palavras, em beijos, em noites em claro apenas um com o outro, em despedidas de horas e horas, em brincadeiras para estarem perto.
Eles gostavam-se, eles sabiam. E um dia beijaram-se. E um dia disseram-se namorados.
E desde então ela já perdeu a conta aos beijos dados, aos beijos sonhados, aos beijos desejados…


{Eliana Oliveira}
[20.02.2009]

10 junho, 2009

Voltamos ao passado?!

Espero-te junto à areia, perto da esplanada que juntos descobrimos, onde demos o primeiro beijo, onde eu tive o meu primeiro beijo, contigo, tu que foste o meu primeiro amor.
Passados todos estes anos, quem diria, logo tu, que me voltarias a ligar.
Após os meus dezanove anos nunca mais te vi, depois de me partires o coração e depois de quase o conseguir colar de novo, lá apareces tu.
Disseste que encontraste o meu número num caderno de matemática, aquele que costumávamos usar para escrever um para o outro.
Porque voltaste tu agora?
Era fácil, tinhas um filho, que pretendias ajudar com esse caderno de matemática, onde encontraste o número da tua primeira namorada, aquela que não devias ter deixado fugir. Arrependeste tanto de a teres feito sofrer, de não teres lutado por ela.

Entretanto, chegas tu, de olhar cansado, pareces velho, de barba meia aloirada, grande e despenteada, cabelo empurrado para o lado e quase cobrindo os olhos.
Hoje não me cativas, como quando tu tinhas 21 e eu 18 anos.
Deste-me saudades dos meus 18 anos.

Lembras daquela vez em que quase fomos apanhados em tua casa?!
A tua mãe tinha voltado atrás e quando demos por ela, já a minha camisola estava no chão.
Hoje tenho saudades, desse teu namorar-me.
Nunca ninguém me viu tantas vezes o sorriso como tu, tu eras o culpado dele.
Até que conheceste a Teresa e deixaste-me, fizeste-me sentir como se estivesse em segundo plano.
Não tinha ciúmes (hoje digo que devia ter), confiava (também não devia ter confiado tanto) e aceitava as tuas amigas, as tuas saídas sem mim.
Ingénua. Essas tuas saídas não eram saídas, eram encontros. Eram encontros, e muito provavelmente com ela.

O nosso namoro, pelo menos eu assim o via, era como sempre pensei que fosse, eras como imaginava que um namorado devia ser.
Até que a Teresa apareceu.

Disseste que tinhas de te afastar, porque estavas diferente e tinhas medo de me magoar.
A desculpa que todos usam, quando gostam e não gostam, em novelas e teatros, usam para encobrir um “dormi com outra”.
Eu sabia-o, e pior…sabia quem ela era. E pior que tudo é que confiei em ti, confiei durante os quase dois anos que te tive (será que te tive por completo, ou será que existiram outras Teresas?).
Hoje, disseste-me que aquele caderno era tudo o que restava de ti; do teu “eu” que gostavas. Depois fizeste imensos disparates, apareceram outras e mais outras, até que a mãe do teu filho te apaixonou e te deixou esse filho enquanto preferiu uma aventura ao marido que tinha em casa.
Inverteram-se os papéis.
Sinistro, não?!
Estavas tão ou mais vazio, como eu, nos meus 21 anos quando finalmente tive coragem de aceitar que não podia mais estar com alguém que estava comigo e com umas outras tantas. Doeu tanto.
Imagina o que é acordar e deitar sentindo o teu cheiro na cama, na cama onde sabia que não ias deitar mais, dói tanto.

Não conseguia dizer-te o quanto esperei ver-te para te magoar, para desbobinar tudo o que já tinha ensaiado imensas vezes em frente ao espelho, de lágrimas nos olhos, de olhos inchados, depois de noites em claro; tinha tanta raiva do que me fizeste e dessa gaja, a quem chamei tantos nomes todos os dias, os dias todos durante anos. E agora apareces tão desfeito, como me deixaste?! Não é justo, eu queria poder dizer tão mal de ti neste momento, citar-te o guião que já berrei antes, tantas vezes.

Não consigo fazê-lo hoje. Faço-te uma festa no cabelo enquanto te deixas chorar de cabeça baixa, a tremer, perdido e confuso.
Pedes-me desculpa.
Eu finjo não ouvir, não consigo lidar com isso agora, não quero mesmo falar sobre o que já me fizeste sentir à oito anos atrás.

Pergunto-te como é o teu filho, como estás, o que fazes, com quem casaste, onde vives, basicamente um resumo dos seis anos que passei sem te ver.

Acabaste o liceu, foste para Coimbra estudar Geografia como gostavas, conheceste umas tantas, ficaste ainda mais perdido do mundo.
Andaste 3 anos na faculdade sem estudar um único dia e lá acabaste o teu curso, onde conheceste a caloira Carla. Partilhavam apartamento durante a semana, para pagar contas, e quando deste por ti já partilhavam a cama e os fins-de-semana fora de casa. Acabaste mesmo por a levar para casa, a casa dos teus pais; gostaram dela, e tu também. Casaram, e voltaram a partilhar casa. Inesperado foi o Henrique, o vosso filho com agora 8 anos.
Filho esse com os mesmos problemas que tu a matemática; não percebo porque foste procurar o caderno de matemática, não escrevias lá nada que lhe fosses ensinar, escrevias lá para mim, e eu lá para ti.

Deitavas-te sobre as minhas pernas, assustado como uma criança, tinhas medo de falhar com o teu filho, tanto ou mais como o teu pai falhou contigo.

Eu vou ajudar o Henrique na matemática, vou tentar ser a amiga que nunca tiveste.

Ainda moras com os teus pais, incrivelmente perto de mim, mas nunca te vi durante estes anos. Durante estes anos, nunca nos cruzamos, e viemos reencontrar-nos na praia onde demos o nosso primeiro beijo e nos fizemos namorados.

Não tenho amigos, fugi de todos, e os que restaram também foram deixando de existir.
Eu não sou mais o mesmo. Sinto-me um estanho para mim mesmo.

Fomos caminhando pela areia, também como fazíamos quando não estávamos chateados, quando me querias dar atenção, talvez quando te sentias culpado por ter estado com a Teresa.
Hoje não me custa dizer o nome dela, mas também já é um nome gasto na minha boca, de tão dito e referido que foi, para as amigas, para todos os que notavam na minha cara e tristeza no olhar.
Começava a noite, não queria mais a tua companhia.
Já tinhas carro e despedi-me de ti, à porta desse Seat preto; fui fria e rápida.
O teu número já tinha, e depois ia-te ligar, mas hoje não te queria ver mais. Senti uma raiva, uma tristeza quase tão forte, quanto a que tive enquanto adolescente.

Posso passar em tua casa, para ajudar o teu filho? – Disse-lhe eu quando lhe telefonei quatro dias depois.

A caminho de casa dos teus pais, onde já quase fomos apanhados despidos, onde fui apresentada como namorada, onde desabafei com a tua mãe como se da minha se tratasse, senti-me tremer, nervosa de voltar ao mesmo sítio onde não me disseste que andavas com a Teresa e que eu era mais uma na tua lista.

Passaram-se semanas de idas a tua casa, o miúdo reguila gostava de mim, e eu começava a deixar de me sentir mal nessa casa de recordações.
Como é óbvio, éramos amigos, e começamos a aproximar-nos.

Não sei como te deixei pagar o jantar, àquele jantar que insististe tanto para que fosse; beijaste-me… e levaste grande estalada.

- Como podes brincar assim tanto com alguém? Duas vezes? Achas que não chegou gozares comigo, brincar daquela maneira uma vez? Sabes quanto tempo andei fechada em casa, deprimida, de olhos inchados, de costas para o mundo, por tua causa e dessa Puta, e tudo o que vocês me fizeram? Depois do gozo que me deste, queres voltar a gozar? Vai à merda. É a ultima vez que me vês.

Todos os dias tinha e-mails teus, chamadas eram imensas, sms, cartas, tentativas de visitas a minha casa. Estava mais que magoada contigo, sentia-me a reviver toda a situação em que já me tinhas posto.

Mas, fogo, sentia tanto a tua falta. Mas não me permitia a deixar ser enganada mais uma vez, chega.

Um mês havia passado, e as tuas insistências continuavam; decidi acabar com tudo de uma vez.

- Entra, será a última conversa que terás comigo.

- Não te vou ocupar muito tempo. Eu não sou o mesmo que viste naquela praia, nem com 21, nem com 30 anos. Foi por tua causa que aprendi, aprendi que nunca mais te iria deixar. Não quero, não consigo. Todos os dias te via entrar em casa, todos os dias sonhava que me irias querer ouvir, só uma explicação da minha parte.
Hoje, vou-te dizer toda a verdade. Quando te conheci, conheci também a Teresa, e em breve comecei a usar droga, quando dei por mim não tinha dinheiro para a tanta droga que precisava. Era ela quem ma dava, eram os meus pais quem eu roubava. E eu não queria que me visses naquele estado, não queria que te afundasses comigo. Não tinha forças para mim, nunca as iria ter para ti.
Inventei que a tinha a ela, ao mesmo tempo que estava contigo. Nunca disse tão grande mentira, prometo que foi para te proteger.
Como me iria ver ao espelho se te afundasse, se te matasse aos poucos como estava a fazer comigo?
Quando “desapareci”, o meu pai saiu de casa, deixou a minha mãe por uma miúda da tua idade (com apenas os teus 20 anos), a minha mãe recebeu um bom dinheiro à custa disso e foi quando me ajudou, mandou-me para um Lar (chamava-lhe eu assim); sai de lá limpo (como é usada a expressão). Não tirei curso nenhum de Geografia, mas depois de te reencontrar ganhei a coragem suficiente para me matricular finalmente. Conheci a minha esposa numa das reuniões, ela tinha estado na mesma situação que eu, e o meu casamento não foi fácil, engravidou numa das fases em que não consumia. E agora, escolheu o caminho dela, caminho que não vou percorrer nunca mais. Escolheu a droga; trocou-me por essa aventura. Trocou a saúde do meu filho, por um saco, por uma moca.
O meu filho não tem mais mãe.
E sabes, eu amei-te de verdade, quando tinha apenas 21 anos. Amei-te como nunca amei ninguém, por isso te magoei tanto, por isso evitei magoar-te ainda mais.
E sabes mais uma coisa?! Eu amo-te ainda mais.
Aquele caderno de matemática, hoje está repleto de cartas que escrevi para ti quando estava no Lar, cartas que nunca te enviei, cartas que me ajudaram a sair de lá, que me fizeram crescer e voltar oito anos depois a ligar-te.
Foi no dia em que ela apareceu, pedrada perante o advogado, para assinar o divórcio, que te liguei. Porque não te iria procurar sem que antes a afastasse de vez das nossas vidas, da minha, da do Henrique e da tua. Da vida que queria recomeçar contigo; porque a minha vida parou quando te vi mergulhada em lágrimas.
Eu vou agora embora, mas não podia deixar de te dizer que todos os dias leio um capítulo do caderno que juntos escrevemos durante as nossas aulas de matemática, durante os dias em que nos dissemos amar.
Tudo o que fiz, foi porque te amava, e porque te amo.
Eu sei que passaste por muito, mas fiz-te passar por muito pouco tendo-te deixado naquele dia.
Adeus Ana.

Só deixei passar uma semana até ser eu a ligar-te, e marcar um passeio outra vez na nossa praia.

Quando chegaste já eu estava desfeita em lágrimas.

Não dissemos nada, ficamos abraçados em silêncio dois ou três pares de horas.

Casamos dois anos depois, e o teu filho era nosso, filho a quem presenteamos com um irmão, tão ao mais reguila que ele.

Durante anos, esse nosso caderno fazia parte das nossas leituras feitas ao Tiago, para o adormecer e para lhe mostrar que um dia vai encontrar o amor; não será fácil, mas superará tudo.

- Eu amo-te.
- Eu também te amo.


{Eliana Oliveira}
{Escrito nas noites em que te tenho saudade}
10 de Junho de 2009

28 maio, 2009

Porque estou aqui: um cigarro e 5 minutos

Porque estou aqui: olhando um cenário que não compreendo.
Fundo branco, palavras perdidas, contacto visual com o prof, brincadeiras com os colegas.
Quero só voltar àquele cantinho meu. O cansaço já se faz notar.
Sábado?! Não. Futebol no sábado.
Descansar quero agora. Quero o café que me roubaram ontem. Quero ir à praia, de cigarro na mão, musica no ouvido.
Quero conhecer uma praia nova, uma que me traga um sorriso. Uma praia quente, com gente a passear, gente a fugir às suas rotinas. Pessoas de caneta, livro, musica na mão, na cabeça. Pessoas que dizem olá e boa tarde.
Olhares que nos cumprimentam, olhares que perguntam tanto.
Azuis, verdes, por vezes castanhos – olhos que vejo, às vezes os teus também têm todas estas cores; dependia do meu cansaço ao ver-te, dependia do teu cansaço ao olhar-me.
Hoje, vejo para além de uma cor, com estes meus olhos pretos: olhos de azeitona, diz o meu pai… (curioso, chamo-me oliveira).
O olhar que tanto diz, a boca que tanto fala, umas mãos brancas e quentes que tanto gosto.
Vejo alguém, um vulto negro, de cabeça baixa, caneta no bolso, livro na mão, musica no ouvido; pede-me um cigarro, e 5 minutos de conversa enquanto o fuma.
Sentamo-nos na areia fria, não sabemos o que dizer.
Ele começou por agradecer, olhou para mim e vislumbrou o mar com um sorriso. Gosto dos teus olhos – disse ele.
Mostrei um sorriso, aquele que mantenho agora, corei, agradeci e disse que me cativou aquele vulto que vi lá no fundo, o seu vulto, mistério.
Ficamos calados. Ele olhou novamente para mim. Apenas sorriu. Agradeceu os 5 minutos. Pediu mais 5.
Sorri. Não disse que gostava dos seus olhos negros como os meus, que mais tarde reparei que brilhavam; disse-lhe que gostava do seu olhar, da forma como me abordara, que tinha gostado de todos aqueles 5 minutos.
Perdemos a conta aos 5 minutos passados na conversa, entre olhares, cigarros, palavras escritas na areia e nas linhas do seu caderno.
Preto era a cor das nossas camisolas. Sapatilha e calça de ganga.
Disse-me ao ouvido que tinha ido até àquela praia porque se sentia sozinho, ao ver-me não se sentiu mais.
Mostrou-me umas linhas que escrevera no dia anterior, naquela mesma praia, dizia ansiar conhecer o amor, dizia ter saudade de alguém que não sabia quem era, que iria fazer seu coração tremer, o olhar brilhar, substituir as palavras por um sorriso.
Serei eu tudo isso?! Será ele tudo isto?!
Vejo um sorriso…
Sorrio eu também.
Um suspiro ouve-se… É o nosso… Ao mesmo tempo…
O último cigarro, o numero trocado…
Não conseguimos evitar, depois de tanta cumplicidade, olhamo-nos sorrindo, o beijo.
O beijo da despedida deste mesmo dia, o beijo de um olá para os que se seguem…

Irei sonhar contigo…
De olhos fechados ou abertos…
Um beijo…
Eu… Eliana…

(14.Dez.2007)

14 maio, 2009

Quando é amor…

Era em duas camas que eles todos os dias dormiam.
Mas hoje, ela sentia falta do calor do corpo do seu marido de 38 anos. Casados à 10 anos, não se tocavam à mais de 3. Cedo ele disse que a traiu, cedo ela perdeu a vontade de correr atrás.
Mais tarde, fora ela quem criou novas amizades no escritório; combinava saídas e um dia, esse seu novo amigo foi mais marido do que aquele que tinha em casa.
Eram amigos, eram companheiros e amantes.
Aconteceu uma vez, mas em nada destruiu a amizade, tornando-a ainda mais forte. Era ele o seu apoio, a sua força.
Mas nesta noite, queria tudo de volta, tudo aquilo que o seu marido já lhe tinha dado.
Queria paixão, amor, sentir o seu toque macio, queria deitar a seu lado com as suas pernas entrelaçadas nas dele enquanto brincava no seu peito, enquanto beijava o seu ombro.
Já não se lembrava da última vez que partilhara o banho da manha com o seu marido, já não se lembrava do seu cheiro. Tinha medo de não lhe conhecer os gostos, de não lhe agradas…como em tempos.
Tinha todas as suas inseguranças, e mais aquelas que o marido lhe provocara. Tinha medo.
Ela queria que o marido também a quisesse.
Será que queria?

Enquanto partilhavam o sofá, após o jantar, para evr uma ou outra seria, antes que fosse hora do seu marido se borrifar de perfume e sair “para estar com os amigos” – dizia ele. Amigos esses que ela nunca conheceu, de quem nunca ouviu falar.

- Apetece-me um whisky e ver um filme calminho. Acompanhas-me? Ou já te vais deitar? Podíamos falar.

Sentia-se tão triste e vazio como eu. Queria ele aproximar-se de mim?
Tenho saudades do meu marido, como se estivesse realmente longe.

- Posso beber um chá e ver esse filme contigo. Estou cansada, mas não quero ir já para um quarto vazio. Diz-me como estás. Podemos fazer desta conversa um novo inicio… (?)
Não quero discutir, quero apenas o meu marido de volta, aquele por quem me apaixonei.
- Não te levantes. Ainda gostas de chá verde? Faço um para os dois. Tenho tantas saudades tuas. Não sei o que andei a fazer este ano completo, ou os ultimo dois anos. Não quero mais não te ter a meu lado. Sei que sabes de tudo, tudo o que fiz. Só espero que um dia consigas perdoar, ou ultrapassar. No fundo, quero uma última oportunidade, porque só preciso de uma.
A morte do nosso menino, o nosso bebe que acabou em aborto; tudo isso foi a minha desculpa para toda a merda que fiz. No momento em que mais precisaste, eu não te apoiei e ainda te maltratei mais. Magoei tanto todos os que se tentavam aproximar; usei quem me tentava dar apoio. Estou tão arrependido de tudo.
Não chores mais por favor, isto é só um desabafo, porque eu próprio preciso falar, não te quero magoar mais. De hoje em diante, vou fazer de tudo para remediar todo o mal que fiz; de hoje em diante, é a ti que me entrego, é nas tuas mãos que estou, és tu quem tem os cordelinhos que me controlam.
- Não te quero moldar conforme o que queria que fosses. Quero que sejas tu próprio; o meu namorado desde os 18 anos, o meu marido desde os 25, o homem pelo qual me apaixonava a cada dia; aquele que me surpreendia, que me apoiava, que era parte de mim.
É tudo o que quero.
Não quero apenas deixar de dormir numa cama fria, quero sentir o abraço, quero que me queiras a teu lado.
Os nossos bebes…perdemos os dois. Os dois bebes; eu sei que seriam um menino e uma menina; mas ninguém tem culpa, saímos os dois a perder.
Só que tu…tu viste-me como a culpada, porque me atrasei para ir buscar o João ao ATL e ele foi atropelado; e culpaste-me por estar com uma depressão e não cuidar de mim, e por isso, perder a nossa menina que não chegou a ter nome.
Eu perdi tanto como tu, ou talvez até tenha perdido mais, porque te perdi a ti também, porque todos me culparam, porque eu também me culpei. Porque senti toda essa culpa…sozinha.
Mas já chegaram estes três anos de culpa. Não quero falar mais nisso. Não hoje. Não agora.
Sabes, gostei da tua atitude hoje. Mostraste que te queres aproximar. Mostraste que queres voltar a ser o meu marido. Surpreendeste-me.

Foi depois destas palavras, e depois dele limpar as lágrimas que lhe caiam pela cara, que a abraçou, como não fazia à mais de três anos.
Foi então que choraram os dois.
Foi então que se perdoaram.
Foi então que começaram de novo, como se só nesse dia se tivessem dito marido e mulher.
Foi no dia seguinte que uniram os dois quartos que os separavam; compraram uma nova cama para si, e um berço bem pequenino, porque ela engravidou nessa mesma noite. Nessa mesma noite de paixão e amor, perdão e desculpa.
Pintaram as paredes de azul e rosa, azul pelo João e rosa, pela Rosa que agora ia nascer.
Desta vez, a Rosa ia ser a menina mais velha, e o João o menino mais do que desejado.

E foi precisamente quando o João completou quatro anos e a Rosa aguardava os seus sete, que eles casaram. Casaram novamente, no dia que completavam a maioridade da sua relação.

- Eu amo-te. – Disse a Catarina, olhos nos olhos com o seu marido.
- Eu também te amo, cada vez mais a cada dia que passa. Sou teu até ao fim dos meus dias – Disse o Tomás quase em lágrimas.
- Papá, dá um beijinho à mãe como nos filmes – esta fala era a do João
- Mãe, eu também gosto muito de ti – Disse a Rosa, enquanto abraçava a perna do pai.


Final feliz?! Talvez.
É amor.



{Eliana Oliveira}
[Histórias na Marina]
[13 de Maio de 2009]

29 abril, 2009

Porque não deitas cá hoje?

Ela a passar, apenas se vislumbravam as suas pernas magras e compridas. Estava escuro, ela aproximava-se marcando cada passo com o som dos seus sapatos pretos, no chão molhado daquele parque.
É verdade, ela ia arranjar um amante.

Ainda em casa, disse ao namorado que hoje precisava de tempo para si.
Vestiu a sua saia mais curta, pegou nos seus sapatos novos, bem altos e disse apenas adeus.
Deu por si a cantarolar músicas animadas e de cigarro na mão; passou pela praia onde resolveu pedir que lhe tirassem uma foto.
- Hoje, sinto-me bem. Estou bem na minha pele. É estranho, estou bem por não estar contigo. Estou bem, porque sei que posso voltar.
Foi aquela mesma foto que lhe pagou um café. E foi esse café que lhe fez recusar a companhia.
Seguiu então pela praia, de sapatos na mão, a pontapear a arei.
Ela hoje queria ser diferente. Queria não controlar tudo. Queria que a agarrassem e lhe dissessem o que fazer. O simples acto sem compromisso. Hoje era o seu dia, um dia só para si.
Uma vez na praia, em pleno inicio se Outubro, apenas ela passeava enquanto os surfistas se vestiam e despiam e surfavam também.
Sentou mesmo na areia. Pouco se importava com os corpos nus, morenos e definidos que por ali se mostravam à única mulher presente.
Estava concentrada, com um sorriso seu para si, via o pôr – do – sol sem ter pela mão o seu namorado que ficara em casa; ao mesmo tempo seguia com o olhar, aquele que vestia um fato colorido, brilhava nas suas manobras.
Sentia-se sorrir. Capaz de saltitar, pequenos pulos ao longo da praia, incrível, soltava gargalhadas.
Ouvia as suas músicas preferidas na sua cabeça, ate que alguém a tocou no braço.
Virou-se, deixando o cabelo voar contra o vento, e com um sorriso disse apenas:
- Gostei de te ver no mar.
Sim, era aquele que ela observava, aquele que a cativara.
Tinha o seu cabelo preso no lábio, mesmo antes dele lhe tocar.
Ela continuou o seu passeio pela praia, mas desta vez ele segui a seu lado.
Ele tinha 25 anos, e ela adorava os seus 24 anos.

Saiu para arranjar um amante, e acabou por arranjar um amigo. Conversaram de relações, de amigos e amigas, festas e aniversários. Combinaram estar juntos mais vezes, para se conhecerem, para falarem e passearem pela areia.

Já fazia frio, quando tomaram o seu primeiro café, num café bem quentinho, num ambiente bem descontraído. Apareciam de todos os lados surfistas de prancha na mão, uns branquinhos e outros morenos, mas todos com o cabelo característico; cabelo curto, inclinado para um lado, quase escondendo os olhos, e brilhante, brilhante chegando a parecer raios de sol em fios de cabelos amarelos.
Ela despediu-se e ele recusou-se a deixa-la ir, não sem antes lhe dar a sua camisola tão quente quanto gasta, para que ela não tivesse frio, neste fim de tarde, que se aproximava de um inicio de noite.
- Foi gentil da tua parte – disse ela – obrigado. Volto cá para ta devolver, e retomar a conversa, ou começar uma outra, ou apenas para um passeio. Tanto faz… Virei.

Já a caminho de casa, ligou ao seu namorado, com quem planeava casar um dia.
- ‘Tou amor. ‘Tou com imensa vontade de te ver. Hoje dormes ai em casa, ‘tá bem? Encomendamos o jantar, vemos um filme… quero passar a noite contigo, todos os minutos até amanha acordar novamente a teu lado.
Na verdade, tenho algo para te pedir; mas logo te digo, quando me abrires a porta e eu te beijar.
Até já amor. Amo-te muito.

Foi a ultima vez que disse que o amava, foi preciso um passeio sozinha, conhecer um surfista, para perceber que era com o seu namorado que queria estar sempre, corressem bem ou mal os dias, queria estar casada com ele, não queria pedir-lhe novamente para dormir a seu lado, queria faze-lo todos os dias.
- Um beijo do teu namorado que te adora e te espera.
Também foram estas as últimas palavras que ouviu.
Poucos minutos depois, e com um grande sorriso na cara, de pé pesado e pouco consciente da velocidade a que o carro ia….

Ninguém soube como aconteceu, apenas um homem parou e ligou o 112, depois de eu dizer que não queria morrer, que o meu marido estava à minha espera para jantar.
Não lembro de um momento pior da minha vida. Alias, depois deste momento, lembro-me de muito pouco ou mesmo nada.

Haviam passado três semanas, deitada todos os dias na mesma posição, de bata branca, de lençóis brancos, com uma agulha no braço desde o momento em que perdeu os sentidos. Estava a soro, “acordada”, inconsciente e de olhos fechados.

Era dia, era noite.
Eras tudo quanto eu queria ver e ter, eras tudo quanto eu lembrava ter e querer. Não sabia o teu nome, mas sabia que te tinha pela maneira como me olhavas.
Queria acordar deste sono estranho, onde não tinha imagens, apenas vozes, diálogos entre quem parecia conhecer-me, monólogos à espera da minha resposta. Desabafos e pedidos.
Conhecia a tua voz, por entre as várias visitas diárias, neste quarto frio de hospital, mas nem por um momento soube o teu nome. Quero conhecer-te, a ti, que acho que já conheci, quem acho que tive a meu lado.

Mais um dia passou.

Hoje senti a tua mão a apertar a minha, ouvi os teus mil pedidos para eu abrir os olhos e voltar para ti. Disseste-me que estava em falta contigo, eu tinha uma coisa para te pedir e tu querias sabe-las, exigias que eu acordasse para te pedir.
Agarravas-te à minha mão, como se fosse tudo o que restava, nela sentia os teus lábios, nela sentia as tuas lágrimas, nela sentia o teu calor, era pelo teu toque que eu sabia que há muito existias na minha vida.

Acorda, Eliana, acorda… quantas vezes ouvi esta pequena frase, hoje também eu a grito a mim mesma, dentro da minha cabeça.
Mais uma vez sentia-te a meu lado, com a tua mão na minha, tinhas adormecido junto a mim sentado na cadeira que ninguém ocupava senão tu,
Senti uma claridade imensa no quarto, devia ser dia, por momentos pareceu-me ver umas formas, de algo ou alguém.
Estremeci.
Senti mesmo a tua mão na minha, e com a outra senti o teu cabelo por entre os meus dedos.
Sentia-me acordada de olhos fechados.
Apertei a tua mão e viste-me mexer pela primeira vez, desde que sai de casa para passear sozinha, há mais de três semanas atrás.
Apertaste novamente a minha mão, senti a tua mão gelada na minha face enquanto fazia cara de dor a tal reacção.
Beijaste-me a testa e correste para o corredor, meio aos pulos, meio emocionado, contente de certeza.

Quando voltaste perguntei-te o teu nome; porque te conhecia, porque sabia que eras importante para mim, sentia-o de tal forma que queria saber tudo sobre ti, queria ter a certeza que era contigo que sonhava, que era em ti que eu pensava.
Eras tu, só podias ser tu.
Queria sair daquele quarto branco, tudo menos saudável.
Não sabia o porquê, mas tive uma imensa vontade de sentir a areia nos meus pés descalços, sentir o gosto do sal nos meus lábios numa tarde fria.
Queria lá ir contigo, eu sabia que era contigo, só não sabia o porquê de não saber o teu nome.
- Eu sou o Vítor, conhecemo-nos há oito anos.
Fui a ultima pessoa que falou contigo, e estive todos os momentos aqui a teu lado, para que pudesse ser a primeira cara que visses. O teu pai e o João, o teu irmão, estão a caminho.
Estamos todos tão contentes por te termos de volta.
Temos tantas saudades tuas. Eu quase morria de saudades tuas.
Amanha levo-te para a nossa casa, eu não consegui afastar-me de ti e ate me mudei mesmo para o teu apartamento. Não quero voltar a estar longe, não quero não passar os dias e as noites contigo.
Eu vou tomar conta de ti, como também o fizeste todos os dias comigo. Não tens que te preocupar com nada, o meu nome já sabes, e o resto eu ajudo a descobrir.
Eu amo-te tanto minha querida. Tenho tantas saudades tuas.

O médico ficou espantado com tal acordar, com tal recuperação.
Recomendou-me toda a atenção possível, todo o mimo e repouso; umas ferias valentes sem preocupações, com passeios, conversas e risos.

Eu estava viva e tenho todos os que me amam à minha volta. Sei que tenho presente o meu pai, e o João, meu irmão, a minha mãe à algum tempo que construiu uma família e não está presente como devia, nem hoje a tenho para me dar a mão e me fazer uma festa no cabelo.

Estou viva e tenho o Vítor, eu sei que o ia pedir em casamento, talvez por isso ele more comigo, talvez por isso o meu pai gosta dele, talvez por isso ele esteve todos os dias, destas três semanas, aqui a meu lado.
Talvez o ame. Eu sinto que sim. Apenas não me lembro.
Lembro-me que existes, só não lembro que és o meu Vítor.
Amo-te meu Vítor…
Casas comigo?




Eliana Oliveira
{29 de Abril de 2009}

07 abril, 2009

“Está tudo bem”


Um dia contei-te o meu segredo…
Contei-to cheia de medo
Estava triste e com saudades de outros tempos, bêbeda e deitada na tua cama enquanto me falavas de ti e recordavas momentos em que estivemos juntas.

[Tanta falta me fazes hoje, mesmo não te tendo.]

Dizias-me isto e aquilo, convidavas-me para ir para junto de ti e quase me convenceste.
Tentavas pôr juízo nesta minha cabeça, enquanto me tinhas deitada sobre as tuas pernas e me fazias festas na cabeça.
Quase adormecia no teu colo, entre frases mal feitas. Entre vontades contadas e desejadas, deixo escapar o meu segredo.


- Tinha medo que me odiasses.

No último dia em que discutimos, saíste a correr de lágrimas nos olhos, e eu nunca te impedi.
Foi o último dia em que discutimos, e o ultimo em que te vi.
Vejo-te hoje, calma, pronta a ajudar, a dar-me o teu consolo, o teu sorriso, o teu “Está tudo bem”.
Não me consigo esquecer, não me consigo perdoar. Devia ter corrido em teu alcance, não devia ter dito metade das palavras que usei para te magoar.

Foi num outro dia em que estava bêbeda, em que discuti com a mãe, em que sai com o teu carro e cheguei de táxi, em que via o mundo contra mim, em que desejava estar onde estás tu agora.
E hoje, contigo a apoiar-me, merecia eu trocar contigo. Merecias tu mostrar a todos o teu lindo sorriso, deixares-te passear no carro que eu destrui.

- Vamos trocar?

Tenho medo que odeies, porque não te impedi dessa tua última viagem.
E agora por minha causa, imagino-te na minha cama vazia, e ainda por cima com esse olhar de “Não tem mal”, não existes mais.
Não existes mais, sem a presença da minha garrafa já bebida, da solidão que vivo e da mágoa que sinto.
Eu já me odeio. Não me odeies tu, não hoje.
Não hoje, porque sei que também será o meu último.
Agradeço-te, porque o meu último não acaba contigo a morrer (apenas a uns metros de casa, enquanto olho da janela bêbeda e me riu por teres caído. Odeio-me por não ter sido eu, por não te ter impedido, por ter discutido contigo, por ser a culpa da tua morte); agradeço-te porque no meu último dia te tenho a meu lado a afastar o cabelo da minha face, a dizer que “Está tudo bem”, simplesmente te tenho a meu lado.
E bêbeda e de agulha no braço, ouço-te a dizer, num sussurro calmo, “Eu nunca te iria odiar, e se tivesses morrido primeiro esperava que me viesses buscar para junto de ti, porque adoro-te demasiado para te odiar”.

“Fecha os olhos mana, e quando os voltares a abrir, eu serei a primeira pessoa que verás.”

(Sorrindo, diz:) “Está tudo bem.”



Eliana Oliveira
{7 de Abril de 2009}