17 agosto, 2009

Haverá uma idade certa?! [2]

Malas feitas, bilhete comprado, era hora de pagar mais uma renda e respirar fundo… dentro de horas irei receber o abraço da minha mãe… como tenho saudades.

- Mãe, porque demoras a abrir-me a porta? Estou à entrada à tua espera – liguei eu de surpresa à minha mãe.
A mulher correu até à porta, já vinha lavada em lágrimas, de avental posto, cabelo engelhado, a gritar pelo meu padrasto e pelas minhas irmãs.

- Nunca pensei aguentar tanto tempo sem ter toda esta confusão perto de mim, é bom ver que nada mudou, já bastou a minha mudança.
Tenho tanto para vos contar, mas… mãe, larga-me, ainda não me deixaste entrar e pousar as malas.

Banho quente tomado. Todos os cheiros desta casa, onde sempre vivi, mantinham-se. Agora sei o que realmente quer dizer “Estou em casa”; espreguicei-me na minha cama, tal e qual como a deixei, fechei os olhos e deixei-me sonhar.

Sem horas certas e enrolada na toalha, chamaram-me para jantar, escolhi um vestido colorido e divertido, tal como me sentia; desci as escadas e dei de caras com toda a família inglesa, amigos, e alguém no meio surgiu escondido por um ramo de rosas amarelas (as minhas preferidas).

- Isto não me está a acontecer. O que estás aqui a fazer?! Não bastou todos pensarem mal de mim, quando na verdade não tiveste coragem de assumir os teus erros e ainda fizeste todos acreditar que o erro foi meu? Como tens coragem de pôr aqui os pés?
- Deixa-me explicar. Dá-me apenas 5 minutos.
- Tens esses 5 minutos e depois desaparece. Estou à espera que comeces a falar.

Subimos até ao meu quarto. Sentei-me na cadeira à espera de uma explicação que não iria compreender e que nada iria mudar.

- Eu contei a todos o que fiz. Pedi desculpas aos teus pais, aquelas que te devia ter pedido a ti. Foram eles que me impediram de voar até Portugal à tua procura. Eu já não aguentava estar sem ti. Eu não conseguia não ter esta conversa contigo; tantas vezes a preparei, tantas vezes a tive com o espelho, e agora parecem poucas as palavras.
Desculpa o quanto te magoei, nem vou mencionar o meu arrependimento e os meses em claro, tudo isso foi merecido, e alias, merecia muito mais.
Tu foste o que sempre achei que não merecia ter, e tinha razão; porque se assim não fosse, estarias tu a meu lado e não tinha eu feito tudo o que fiz.
Não vim pedir uma segunda oportunidade, pois já esgotei todas as minhas segundas oportunidades. Queria apenas poder ter-te por perto, poder desculpar-me, remediar todo o mal que fiz.
Queria tanto poder voltar atrás.
(De joelhos no chão) Diz que vais tentar desculpar tudo o que te fiz passar, deixa-me continuar presente na tua vida.
- Como é óbvio, ultrapassaste os 5 minutos.
Há coisas que ninguém devia ter que desculpar, e não, há coisas que também não se conseguem desculpar. Não vou ser tua amiga, nem vou tentar, não te vou querer neste jantar que é para mim umas boas vindas a casa, não te vou tratar mal mas não te vou falar se algum dia me cruzar contigo.
O que conseguiste levar de mim hoje, não foi um perdão, foi uma mágoa.
Agora sai, quero estar com todos de quem senti saudades.
Não senti saudades tuas, porque não te levei no pensamento, deixei-te onde me partiste o coração.
Vou voltar a dizer: Agora sai. Deixa-me com a minha família, não voltes a aparecer, nem a procurar-me.

Jantar estranho este, mas nem por um momento se tocou no nome proibido, nome esse que não vou mencionar sequer.

Ida a hipermercados, compras de sapatos, vestidos, domingos de manhã a entrar na igreja de braço dado com o padrasto; toda a rotina de Darlington, a que já vivera, a que me faz falta em Portugal.
3 Semanas de tranquilidade, de amor de mãe, de ser roubada pelas irmãs (porque será que toda a camisola nova que eu tenha, nunca é estreada por mim?!), serões de cinema e pipocas, apertada no sofá pelas irmãs a um lado e a mãe a outro.

Novamente de malas feitas, desta vez iria custar muito mais; desta vez não era uma fuga, era uma despedida (mesmo que pequena).

De volta ao aeroporto.
De volta à porta do apartamento que dia sim – dia sim recusava as minhas chaves, e me dava uma seca, e um número estúpido de tentativas para a abrir.
- Não acredito nisto, a porta tinha que ser teimosa logo agora que o telefone está a tocar!!!
Hello! Estou sim? Ah! Olá mãe, acabei de chegar. Demorei porque tive um pequeno contratempo com a porta, mas daqui a nada também o resolvo.
Manda um beijinho a todos. Eu vou ligando. Beijinho.

Estava exausta, despenteada e suada. E foi assim mesmo que fui pela primeira vez à marina que antes não conhecera.

Desenvolvi um hábito feio, mal pedi o meu sumo de laranja, acendi o meu cigarro L&M.
O meu cigarro passou a ser o meu calmante, a companhia dos meus pensamentos.

Não podia acreditar. Agora era este que me aparecia à frente!

- Boas tardes menina Carla. Veio à marina aproveitar os últimos dias antes de retomar a rotina?! Nunca a tinha visto por estes lados.
- É verdade. Cheguei à pouco de Inglaterra e resolvi pôr aqui um pézinho.
Ora aqui está o meu sumo. Bem, 2ªfeira às 9horas.
- Sim menina. Deixo-a agora.

Que conversa estranha esta. Mais estranho foi ter pago o meu sumo. O chefe Eduardo pagou-me o sumo.

2ª Feira!! Porque detesto eu 2ªs feiras?!
Estava a 2 semanas e uns dias do meu vigésimo sexto aniversário; o primeiro sozinha, longe de todos.

Chegado o dia 10 de Setembro, acordara mal disposta – mesmo rabugenta – entro no meu escritório ainda de olhos mal abertos e… NÃO… outra vez ele?!
- Bom dia, menina Carla. Queria felicitá-la pelo seu aniversário e desejar-lhe um bom dia. Deixei-lhe uma lembrança perto do seu computador, espero que seja do seu agrado. Bom trabalho menina.

Eu nem abri a boca. De qualquer das formas, não saberia o que dizer. Enganei-me mesmo, não era em nada ranhoso, mas eu também não era um brinquedo.
Mas a verdade é que não consegui recusar o presente; um fio extremamente fino, diferente e que usei de imediato em frente ao espelho que tirei da gaveta, deu-me ainda um livro, como gostava eu de ler e à quanto tempo não o fazia, tinha o título “A força das coisas”. Vi-me levada a folheá-lo, a ler uma e outra página.
Este velho com a mania de usar a sua segurança, que só me deixa insegura e desconfortável, deu-me um livro cativante ao ponto de o começar a ler pela ordem das páginas.
Pouco sei do que fiz hoje no trabalho, estava centrada no livro de bolso que escondia na gaveta ao lado do espelho.
Já em casa, troquei de roupa e fui aproveitar os últimos raios de sol na companhia do meu cigarro de sempre.
Pedi uma torrada, um café e refugiei-me na história que lia.
Estava de tal modo envolvida neste livro oferecido pelo velho Alberto, que nem dei conta da já ausência do sol, do frio que fazia as pessoas afastar-se. E eu no meu vestido solto, apenas pousado pelos ombros, já esvoaçava mostrando o joelho, quando me abordaram.
- O que está a achar do livro? Sabe, tudo acontece com uma certeza, a certeza que tem que acontecer. Espero que um dia possamos debater sobre esta sua leitura, porque eu também já li esse livro, e gostei como é óbvio.
- Sim, quando o acabar lhe direi, e como me te vindo a abordar aqui na marina, um dia conversámos sobre a força das coisas.

Evitei idas à marina depois do trabalho, não fosse eu encontrar o chefe Alberto. Porque insistia tanto ele? Achava engraçada a situação, mas na verdade pouca piada tinha.

Já em Dezembro, altura em que se trabalhava sem saber horas de acabar o dia, dava por mim a comprar prendas para levar para casa, para o chefe Alberto porque foi proposto este ano dar uma prenda ao amigo “Surpresa” que seria exactamente o chefe, o que em tempos me premiou com um Parabéns.
Achei-me com coragem de lhe dar uma gravata engraçada, esperando eu que lhe achasse a mesma piada que eu; assim tinha escrito “O chefe não é ranhoso, eu é que ainda não o sabia”.
O jantar de empresa foi animado e com álcool à mistura e os presentes eram todos uma forma de brincar com as boas e as más relações entre todos; ex-namorados que trocavam presentes, rivais competitivos que mostravam o seu sorriso amarelo ao rasgar o embrulho, e eis que é chegada a minha vez.
Todos sabiam com quem me competia trocar a prenda.
Entreguei a minha dizendo: A minha prenda é uma forma de elogio, serve para lembrar a minha primeira abordagem perante o chefe… Enfim, é suposto ter piada e lembrar a minha “boca grande e inconveniente”.

O chefe deu uma gargalhada e passou a gravata entre todos; ele continuava rindo quando todos os outros me olhavam sem saber como reagir.
Fiquei a achar, a partir deste dia, que tínhamos características em comum, comecei a gostar do homem, ele percebeu a piada e retribuiu da mesma maneira.
Eis a sua prenda: um outro livro, de titulo “Ranhosices de um velho”.
Era a minha vez de soltar uma gargalhada, mas não o fiz, agradeci e sorri-lhe; no entanto desta vez, foram os colegas que se riram de mim, da prenda que a mim tinha sido dada.

O Natal em casa tinha sido tudo como sempre, é bom voltar ao de sempre quando a saudade aperta.

Passaram-se meses e meses da mesma rotina quando retomei o trabalho; pouco tempo me restava para passeios, até porque agora dava preguiça sair de casa com chuva e frio e fins de tarde cinzentos.

Tinha-me tornado fundamental nas decisões da empresa, e como tal, falava muitas vezes com o chefe; chegávamos a prolongar as reuniões durante as horas de almoço, a prolongá-las para lá das 6 da tarde. Acho que nos tínhamos tornado mais do que colegas de trabalho, já tínhamos discutido o livro que tínhamos em comum, já tínhamos tema de conversa para além de trabalho.
Já eram banais e constantes os muitos comentários dos restantes colegas de trabalho, comentários esses que também faziam parte do nosso reportório de temas estúpidos que nos divertiam.

Já os meses passavam e com isso sentíamo-nos à-vontade de continuar o trabalho, ao fim da tarde na marina, onde eu me passeava e onde, vim a saber, ele morava.
Tornamo-nos amigos, para além de colegas.

Entre idas a Darlington e estadia em Portugal, os anos passaram-se. Fui conhecendo pessoas novas, tive um ou outro namorico que tinham sempre uma data para acabar. Andava demasiado insegura, tinha o coração demasiado frágil para conseguir ter alguém; e, com isso, já estava em Portugal quase à 8 anos e novamente solteira.

{Via no Eduardo uma presença masculina, como queria que fosse um pai; desabafávamos um com o outro ora durante um sumo de laranja ora um copo de vinho que ele insistia para que eu provasse.}

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